Em abril passado, quando ainda não comandava o STF, o ministro Luís Roberto Barroso decidiu que a remuneração do FGTS não pode ser inferior à da caderneta de poupança.
Relator de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) apresentada pelo Solidariedade em 2014, Barroso julgou parcialmente procedente o pedido de revisão do partido, ante as perdas históricas na remuneração do fundo compulsório. Em seu voto, Barroso defendeu que a fórmula de remuneração deveria ser alterada assim que o plenário do Supremo concluísse a votação.
Em novembro, no entanto, Barroso reformulou seu parecer, “modulando” sua decisão inicial. O ministro considerou que a implementação imediata traria “uma situação fiscal de difícil acomodação,” porque os efeitos não estavam contemplados no Orçamento de 2024 – e decidiu que a nova fórmula deveria ser aplicada a partir de 2025.
A reformulação da decisão foi amparada em uma análise de cenários feita pelo “economista-chefe” do STF, Guilherme Resende – uma novidade na assessoria técnica do Supremo criada por Barroso assim que assumiu a presidência em setembro.
Barroso elegeu as pautas econômicas – e seus custos – como uma das prioridades de seu mandato.
“Juízes devem ter informação adequada sobre o impacto econômico de suas decisões,” Barroso disse ao Brazil Journal. “Este não é, necessariamente, o fator mais importante, mas deve ser considerado. Além disso, para saber se uma decisão é justa, é preciso saber quem paga a conta, e o Guilherme tem sido a pessoa certa, no lugar certo, para esses dois propósitos.”
Barroso quer entender melhor as consequências de longo prazo das decisões da Corte e torná-las mais justas e efetivas – particularmente diante da crescente demanda política sobre o STF.
O economista se soma ao corpo da Assessoria de Apoio à Jurisdição, que conta com núcleos técnicos como o dedicado a processos estruturais complexos e o de solução consensual de conflitos.
No caso do FGTS, a decisão final ainda está em suspenso, depois de um pedido de vista de Cristiano Zanin. Mas dois ministros já acompanharam a decisão de Barroso feita a partir da análise de Guilherme.
Numa conversa com o Brazil Journal, Guilherme disse que seu trabalho tem como objetivo apresentar os cenários prováveis, dar mais consistência e transparência às análises técnicas e, desta maneira, contribuir para decisões mais justas.
“Como costuma dizer o ministro Barroso, é preciso saber para onde vai o custo,” disse Guilherme. “Se for para o Tesouro, os mais pobres serão impactados. Como a maioria dos impostos são regressivos no Brasil, os pobres pagam proporcionalmente mais. São eles que vão bancar, via Tesouro, aquela decisão.”
Guilherme carrega a experiência construída ao longo de sete anos como economista-chefe do CADE, cargo que ocupava quando recebeu o convite de Barroso.
“O direito concorrencial é onde o direito e a economia mais conversam,” disse o economista. “Sempre precisamos estar atentos aos efeitos e os custos das decisões.”
Nas disputas de bilhões que transitam pelo Supremo, como o julgamento da rentabilidade do FGTS, as partes em disputa normalmente tendem a extrapolar em seus argumentos, evidenciando os cenários mais extremos para um lado e para o outro.
O economista agora municia os ministros com os cenários mais prováveis para os efeitos das decisões, ponderando a razoabilidade dos números apresentados por advogados e procuradores.
Guilherme ingressou no IPEA por concurso quando concluía o mestrado. Especializou-se em análises de políticas públicas e seus impactos regionais.
O economista fez doutorado na London School of Economics e, ao retornar ao Ipea, coordenou o livro Avaliação de Políticas Públicas no Brasil, de 2014. Em 2016, foi indicado para comandar o departamento de análise econômica do CADE, onde ficou até se transferir para o Supremo.
Em pouco mais de três meses no novo cargo, a demanda dos ministros tem sido intensa. A julgar pelo empenho da Fazenda em encontrar fontes adicionais de receita, o economista terá bastante trabalho pela frente.
No final do ano passado, Guilherme contribuiu para o desenlace na resolução do pagamento dos precatórios em atraso.
A Fazenda flutuava a ideia de contabilizar parte da despesa como gasto financeiro, sem impacto no resultado primário. Era uma proposta com toda pinta de contabilidade criativa e que não era bem-vista pelo Planejamento.
O Supremo acabou rejeitando a proposta e decidiu que o melhor caminho seria abrir créditos extraordinários para pagar os precatórios – com os gastos sendo considerados despesas primárias.
Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes citou a análise preparada por Guilherme.
“Resumidamente, a nota técnica se posiciona contrariamente à proposta de diferenciar o valor original do precatório como dívida primária e o valor dos encargos como dívida financeira,” disse o ministro. “Alega-se que tal medida estaria em contraste com padrões internacionais, em prejuízo da credibilidade do sistema de estatísticas fiscais do Brasil.”
Outra disputa de grande impacto – e ainda sem decisão final – em que Guilherme prestou assessoria foi o caso da “revisão da vida toda” do INSS, que é a possibilidade de recalcular as aposentadorias utilizando todas as contribuições, incluindo as feitas antes de julho de 1994. Pela reforma de 1999, esse deveria ser o marco para fazer as contas, por causa das dificuldades de atualização dos valores anteriores ao real.
O economista analisou os pareceres da AGU e do INSS contestando a decisão favorável do Supremo, tomada no final de 2022, e apontou os possíveis custos da revisão.
“O impacto será enorme, não apenas financeiro como operacional,” disse Guilherme. “Até pessoas que não estão na regra poderão entrar com processo. Gera um peso adicional para todo o sistema do INSS, que já está sobrecarregado.”
O julgamento do recurso foi suspenso e deverá ser retomado em fevereiro. Três ministros, incluindo Barroso, votaram pela anulação da decisão por questões processuais, o que mandaria o caso de volta para o STJ. Outros três votaram a favor, mas existe divergência sobre a data em que ela passaria a valer.
Guilherme contribuiu também na decisão do STF, na última sessão do ano passado, que considerou legítima a extinção das execuções fiscais de baixo valor pelos municípios. Os custos dos processos são quase sempre mais elevados do que os valores a serem cobrados.
“Muitas vezes, uma ação custa mais de R$ 20.000 para cobrar um IPTU de R$ 500,” disse o economista do Supremo. “É melhor que o ente público faça o protesto do título no cartório, com um índice de recuperação dessas dívidas muito maior – na média 20%, como mostram os estudos – contra 2% da execução fiscal.”
As notas técnicas, ao menos por enquanto, têm sido para consumo interno dos ministros e não estão disponíveis no site do STF. Mas em breve algumas delas poderão ser divulgadas e ficar disponíveis para consulta pública – certamente, uma iniciativa que daria maior transparência aos casos analisados.
“Minha função é apresentar as opções e dar cenários,” disse Guilherme. “No STF, são 11 cabeças pensando. Pela experiência que eu tive no CADE, acho que nunca é bom tentar impor alguma ideia. Apresento possíveis custos e benefícios. Aí cada uma toma a decisão que considerar mais razoável.”