A surpresa com o PIB brasileiro no primeiro trimestre ressalta o potencial e a resiliência do agronegócio.
Para que o setor continue crescendo, é preciso enfrentar os desafios de financiamento, que têm limitado a capacidade de expansão dos produtores rurais.
O governo tem um papel essencial nisso – mas ao contrário do senso comum, não é o de ampliar as linhas de crédito subsidiadas pelo Tesouro.
Por muitos anos, o setor público, por meio do orçamento da União, tem enfrentado dificuldades para financiar o agronegócio brasileiro.
Estima-se que a demanda por crédito rural no Brasil seja de R$ 750 bilhões por ano, enquanto o Plano Safra garante apenas 1/3 dessa demanda.
Os outros 2/3 são atendidos pelo setor privado, por meio de operações de barter (troca de insumos), mercado de crédito com juros livres ou mercado de capitais.
Um pouco de história ajuda a entender como chegamos aqui e o que precisa evoluir.
O primeiro mecanismo público de financiamento rural, conhecido como a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil, foi criado durante o primeiro governo Vargas, em 1937.
Três décadas depois, em 1964, foi estabelecido o Sistema Nacional de Crédito Rural, uma política pública voltada para o fortalecimento da produção de alimentos no país.
Até a década de 60, o Brasil era um importador líquido de alimentos e possuía uma agricultura praticamente primitiva.
O agronegócio brasileiro começou a ganhar impulso a partir da década de 70, quando foram implementadas políticas públicas voltadas para pesquisa, extensão e crédito rural e garantia de preços mínimos.
Criado em 2003, o Plano Safra objetiva impulsionar a produção brasileira e é subsidiado com recursos públicos. No entanto, tornou-se absolutamente insuficiente.
Nesse sentido, Rogério Boueri afirmou que “o modelo de crédito rural no Brasil é vítima do seu próprio sucesso”. O cobertor ficou curto e o orçamento da União não é suficiente para atender à alta demanda.
Pouco antes da solução oficial do Plano Safra, surgiram no Brasil as operações de barter, como uma alternativa diante da escassez de recursos públicos subsidiados.
Uma jabuticaba brasileira, que hoje financia cerca de R$ 250 bilhões por ano e consiste em uma troca de insumos. O produtor recebe, principalmente, sementes, herbicidas ou fertilizantes fornecidos por distribuidoras, indústrias ou tradings, em troca da entrega do produto agrícola após a colheita.
A partir do Plano Real e com a estabilização da economia, o governo federal passou a incentivar o setor privado a financiar o agronegócio. Em 1994, foram criados títulos do agronegócio, como LCA, CRA e CDCA.
Nos últimos anos, a legislação foi continuamente aprimorada com o intuito de fomentar o mercado privado de financiamento, tanto no setor de crédito quanto no de capitais. Exemplos dessas melhorias são: Lei do Agro, Fiagro, CPR Verde e a Lei do Agro 2, entre outras.
O sucesso dessas medidas é facilmente percebido. Dados de abril deste ano mostram que o estoque de LCAs é de R$ 390 bilhões, enquanto o de CRAs chega a R$ 100 bilhões. As CPRs, criadas há 30 anos, já ultrapassaram a marca de R$ 240 bilhões em estoque.
Os Fiagros, recentemente regulamentados, possuem um patrimônio de R$ 13 bilhões, com a participação de quase 300 mil brasileiros financiando o agronegócio.
Embora tenhamos alcançado progressos significativos, ainda há uma agenda a ser cumprida.
É necessário avançar na individualização do risco de crédito e na redução da assimetria de informações de cada produtor rural brasileiro.
A individualização pode diminuir riscos, reduzir spread e atrair mais investimentos. Existem várias fintechs especializadas em agro que desenvolvem algoritmos integrando bases de dados, resgatando históricos de produtividade e monitorando safras.
O governo federal precisa ampliar a disponibilização de seus bancos de dados, como a poderosa ferramenta AgroAPI da Embrapa, que oferece informações e modelos agropecuários.
A abertura gratuita dessas APIs aceleraria o desenvolvimento de scores de crédito individualizados. Um bom exemplo para nos inspirar é o cadastro positivo, que se tornou realidade após reformas microeconômicas iniciadas em 2016.
Principalmente nas operações de crédito de longo prazo, o mercado de capitais apresenta vantagens competitivas em relação ao mercado de crédito.
Portanto, é necessário intensificar a divulgação e o conhecimento de revendas, produtores rurais, cooperativas e agroindústrias sobre essa opção.
Em 2022, as emissões de CRAs alcançaram um recorde histórico, superando os R$ 40 bilhões em captação.
O copo meio vazio é que foram apenas 307 operações, muito aquém do potencial. Nossas estimativas indicam que cerca de 5 mil empresas e produtores rurais poderiam emitir um CRA.
É necessário preservar as conquistas já existentes, como a isenção do imposto de renda para LCAs, CRAs, CDCA e Fiagros, além de apoiar as reformas microeconômicas recentes, como a trabalhista, a da lei de falências e as dos marcos regulatórios (saneamento, ferrovias etc.), evitando retrocessos.
Também há uma agenda necessária a ser implementada: apoiar a proposta da CNA para aumentar de 35% para 50% o percentual de recursos captados por meio de LCAs direcionadas a operações de crédito rural, aprovar iniciativas legislativas que viabilizem a redução dos custos cartorários (o custo de registro de uma CPR varia entre R$ 200 e R$ 30 mil) e eliminar a discrepância desses valores entre os estados.
Além disso, é importante criar uma Câmara Única para registros de boletos, permitindo a movimentação real das duplicatas vinculadas como garantia e/ou cessão, sem a necessidade de notificação do sacado ou troca de boletos.
Essa agenda garante um mercado privado de financiamento agrícola robusto, especialmente no mercado de capitais, tornando o crédito não apenas um fardo para os produtores rurais, mas uma alavanca que pode nos manter na vanguarda da agricultura mundial.
Arnaldo Jardim é deputado federal (SP) e ex-secretário de Agricultura de São Paulo.
Octaciano Neto é diretor de agronegócio da Suno e ex-secretário de Agricultura do Espírito Santo.