Ao ver a primeira fotografia, em 1840, o pintor francês Paul Delaroche decretou que, a partir daquela data, a pintura estava morta. Nos últimos 150 anos, essa morte já foi decretada diversas vezes, mas a pintura sempre volta para se vingar de seus detratores.

Quem acha que já viu de tudo em termos de pintura não pode perder a mostra latexguernica, que fica no Instituto Tomie Ohtake até 30 de outubro.

A primeira individual em uma grande instituição de arte do pintor paulistano Rodolpho Parigi, com curadoria de Paulo Miyada, Diego Mauro e Priscyla Gomes, Latexguernica é uma ode à liberdade, ao estranhamento e ao realismo mágico.

São 70 pinturas produzidas nos últimos 20 anos, que, segundo os curadores, estão no “limiar entre abstração e figuração valendo-se de uma série de referências que vão desde a tradição da pintura acadêmica ocidental ao design gráfico, publicidade, cultura pop e a música.”

Dono de uma estética futurista (muito) peculiar, Parigi domina as técnicas pictóricas clássicas com maestria. Muitas pessoas duvidam que se trate de pintura de verdade – acreditam que é uma impressão ou silkscreen — até olharem de perto e sentirem a textura aveludada da tinta óleo.

“Não sou hiper-realista. Seria careta imitar uma imagem – para isso tiraria uma foto, que encerra a ideia em si mesmo. Gosto do dúbio, da liberdade que a dúvida traz,” Parigi disse ao Brazil Journal.

A partir de uma fotografia ou imagem de computador, Parigi dá asas à imaginação e cria sua narrativa, segundo seu universo particular. A imagem é uma passagem, logo abandonada para permitir que a obra ganhe vida própria. O resultado é inesperado e original.

Ao final, o que se vê é um pouco de abstração, de surrealismo, de precisão fotográfica e de texturas digitais. “Gosto da forma escultórica do desenho,” disse Parigi. O espectador tem a sensação que as imagens de seus quadros parecem estar vivas dentro da tela, prestes a se mexer. A pesquisa do pintor paulistano foca no corpo e suas possíveis representações, na sexualidade e na história da arte.

Em latexGuernica, o mural de mais de 8 metros que dá nome à mostra, Parigi reproduz a escultura O Impossível, de Maria Martins, sobre uma enorme mesa de mármore que o pintor certa vez viu no Louvre.

No sonho grandioso de Parigi, cohabitam bodysuits em látex e fragmentos do painel de Picasso, entre esculturas de Erika Verzutti e Hans Arp, em uma festa que causa um estranhamento familiar. A escultura de Maria Martins já traz certo estranhamento — uma imagem de ficção, quase alienígena, que evoca o relacionamento impossível entre dois seres.

“Aliando tradição à perversão, prosaísmo à alta cultura, Parigi condensa … anos de pesquisa e produção em uma cena que congrega simulação, realidade e farsa”, segundo os curadores.

Rodolpho Parigi nasceu em 1977 em São Paulo, e estudou artes plásticas na FAAP. Na faculdade, começou a testar tintas a óleo a fim de encontrar algo que refletisse seu olhar.

“Como vou traduzir meu tempo? Como vou pintar minha vida e o mundo em que habito?” ele me pergunta. Daí surgiu a “paleta parigiana”, com cores fortes, quentes ou cítricas, que sempre têm brilho e exuberância.

“O universo queer, o ambiente de boate ou as cores de maquiagem estão refletidos nas minhas obras,” diz Parigi, que ocasionalmente incorpora uma drag persona — Fancy Violence — e faz performances tratando principalmente de identidade sexual e as possíveis metamorfoses do corpo.

Parigi imprime de forma muito autêntica suas sensações do mundo em suas pinturas, que estão repletas de referências do clássico ao contemporâneo, da história da arte à música pop, ao sci-fi, ao porn e ao mundo LGBTQIA+.

Para o artista, o universo queer permite que se viva a individualidade com liberdade, sem concessões em busca de uma aceitação absoluta. Quando tudo é aceito, as tribos se misturam, para o bem e para o mal, não há sexualidade determinada, e o respeito pelas diferenças passa a ser natural.

Parigi aporta seu humor, leveza e talento na luta contra os males contemporâneos do preconceito e da discriminação. Como diria outro mestre do realismo mágico, Jorge Luis Borges, “O teu ódio nunca será melhor que a tua paz.”