Eram cinco da tarde e estávamos num curso de reforço escolar em Beijing. Alunos e professores se preparavam para começar mais uma aula. No fundo da sala, uma presença peculiar chamava atenção:  pais e avós sentados, fazendo anotações fervorosas sobre a matéria lecionada. 
 
O motivo: poder ajudar o estudante mais tarde em casa, caso ele não entendesse algum ponto da matéria.
 
A cena que inicialmente nos surpreendeu tinha se tornado quase óbvia ao final da viagem que um grupo de empreendedores brasileiros da área da educação e eu fizemos à China. Nosso objetivo era visitar centros educacionais para aprender sobre o setor no país que desponta entre as principais potências da área.
 
Aproximadamente 99% das crianças chinesas estão matriculadas no Ensino Fundamental, dos quais 55% passam no concorrido “Zhong Kao”, exame que seleciona os alunos com as melhores performances para entrar no Ensino Médio (nem todos vão para o ensino médio) e, destes, 30% passam para a faculdade após serem aprovados no exame do “Gao Kao”.
 
As escolas e universidades são públicas, e há somente 2% a 3% de escolas privadas. O sistema chinês é centralizado: os exames nacionais de “Zhong Kao” e “Gao Kao” são os caminhos unificados (e praticamente os únicos) para os estudantes chineses que almejam um diploma de ensino superior. Famílias com maiores recursos podem enviar seus filhos para concluírem o ensino no exterior, mas a realidade para a grande maioria da população é enfrentar a concorrência acirrada para ingressar na faculdade. Pais e filhos sabem que, caso o aluno não tenha boa performance na escola, não conseguirá sequer cursar o ensino médio.
 
Os exames selecionam os melhores estudantes de cada fase para que o Estado continue a investir em sua educação; a restrição da quantidade de formandos valoriza o diploma de cada nível.  Resultado: o sistema chinês é caracterizado por meritocracia cognitiva e alta concorrência.  
 
A política de filho único, que concentra os esforços (humano e econômico) dos quatro avós e de ambos os pais em uma única criança abre espaço no orçamento familiar para complementar a educação dos filhos. Isso, somado à relevância cultural e social que a educação possui na China, resulta em um mercado muito promissor. A China possui um dos mais altos índices de gastos com educação dentro do consumo discricionário das famílias.
 
Com estímulo do governo, demanda da sociedade e recursos dos investidores, o setor educacional está em pleno crescimento. Em outubro de 2019, havia aproximadamente 3.000 edtechs, startups de tecnologia voltada à educação, somente na cidade de Beijing. Inovações tecnológicas permitiram a criação de soluções que trazem economia de tempo e potencializam o ensino, como inteligência artificial que supre a escassez de bons professores de inglês, plataformas online que viabilizam acesso à educação em locais remotos, programas que simulam experiências em laboratórios de ciências e até softwares que leem ondas cerebrais para avaliar o nível de satisfação e absorção do aluno.
 
Inovações tecnológicas, contudo, ficariam somente no papel sem a ênfase e o papel prioritário que a educação possui na cultura chinesa. O reconhecimento da educação como um dos fatores determinantes da transformação individual permeia a sociedade como um todo, e mesmo as famílias menos favorecidas dedicam uma parte significativa de seus rendimentos à educação de seus filhos.
 
Diferentemente do que observamos no Brasil, os cursos de reforço escolar e tutoria são frequentados inclusive pelos alunos que possuem boa performance escolar, com o objetivo de aperfeiçoar o aprendizado obtido na escola tradicional e ampliar o conhecimento. A preparação para os concorridos exames nacionais, em conjunto com os cursos de inglês, dominam o mercado privado da educação chinesa, dividindo espaço com a presença tímida, mas crescente, de cursos extracurriculares com ênfase me habilidades sócio-emocionais, artes e esportes.
 
Após uma semana de imersão no setor educacional chinês, pretendo acompanhar de perto o movimento das edtechs, que poderão reinventar as formas de ensino em um futuro próximo e, assim, revolucionar o mercado de educação. Os benefícios e resultados alcançados pela aplicação da tecnologia no setor chinês são, sem dúvida, alvissareiros neste sentido.
 
No caso do Brasil, porém, é preciso introduzir inovações para além da tecnologia: valorizar o magistério (os professores chineses desfrutam de grande prestígio social, apesar do salário mediano), motivar pais e responsáveis a investir na educação dos jovens e inspirar os alunos a acreditar no próprio potencial.  Estas são mudanças estruturais que demandam esforços de todas as instituições do país, e no longo prazo.
 
A transformação da cultura educacional brasileira é tarefa inadiável. A maioria das famílias brasileiras tem outras prioridades na alocação de proventos. A educação muitas vezes fica em segundo plano, uma vez que muitos não a consideram elemento fundamental para a mudança da própria realidade. Não se trata somente de esforços econômicos, mas também de dedicação de tempo e atenção aos estudos das crianças. É preciso desenvolver e consolidar o conceito, inclusive no aluno, de que a educação é o caminho para a transformação pessoal e social, motivo pelo qual deve ser tratada como prioridade nos âmbitos familiares e sociais.
 
O fundamental é lembrarmos que nossas deficiências têm a mesma medida das nossas oportunidades. A educação brasileira precisa incentivar a inovação e criar caminhos para o desenvolvimento do setor público e seus servidores, da iniciativa privada e dos empreendedores. 

 
Nada é mais urgente do que transformar educação em sinônimo de esperança para todas as crianças brasileiras.
 
Eduardo Mufarej é fundador do RenovaBR e empreendedor na área de educação.