Se o Congresso não acordar, vem mais insegurança jurídica por aí.

O mercado financeiro está apreensivo; o meio jurídico, indignado: a nova versão do projeto de lei que reforma a Lei de Falências traz uma série de alterações que podem enfraquecer as garantias usadas no mercado de crédito e obstruir o financiamento para pequenas empresas – além de virar de ponta cabeça centenas de processos de recuperação judicial em andamento. 

O governo apresentou, no final do ano passado, um projeto para aperfeiçoar pontualmente a lei em vigor e acelerar o desfecho das falências. Mas a deputada Dani Cunha (União Brasil-RJ), filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, colocou em tramitação um texto substitutivo completamente diferente, com diversas novidades em relação ao texto elaborado pela Fazenda em longo diálogo com especialistas na área. 

Originalmente, o projeto tratava apenas de falências. A nova versão atinge também recuperações judiciais – inclusive os vários processos em andamento. 

Na avaliação de executivos do mercado, um ponto particularmente preocupante é o que trata dos ativos que não podem ser repassados pela empresa em recuperação.  

O texto apresentado pela deputada diz que não será permitida “a venda ou a retirada, do estabelecimento devedor, de bens de capital e dos ativos essenciais à sua atividade empresarial, ainda que incorpóreos ou intangíveis.” 

A lei hoje fala apenas de “bens de capitais essenciais,” sem a expressão “ativos essenciais” presente na nova versão.  

Esse trecho dá margem a interpretações que podem impossibilitar a transferência de títulos financeiros aos credores. Seria uma reversão do entendimento que vem se consolidando nos tribunais, segundo o qual o banco pode alcançar os recebíveis dados em garantia de cessão fiduciária. 

Esses recebíveis são o lastro dos Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDCs), dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e dos Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRAs). 

“Você cria um FIDC para um varejista, ele quebra, e os recebíveis não são seus,” comentou um executivo de mercado.

Uma nota técnica de uma associação que representa os bancos vê risco de um grande impacto no mercado de crédito, porque os bancos, por até um ano, não poderiam acessar os recebíveis. 

“Em síntese: risco e custo de crédito ficarão maiores, especialmente para micro e pequenas empresas, indo no sentido contrário ao objetivo do presente projeto,” diz a nota. 

As linhas de crédito para micro e pequenas empresas, beneficiadas pela garantia da cessão fiduciária dos recebíveis, cresceram de R$ 33 bilhões em 2007 para R$ 260 bilhões ao final de 2023. Representam 8% da carteira de crédito para pessoas jurídicas. 

“O projeto original tinha pontos muito positivos, porque trazia uma interferência pontual apenas no procedimento de falência,” o advogado Eduardo Munhoz, que contribuiu no texto preparado pela Fazenda, disse ao Brazil Journal.

“O texto da Fazenda dava maior poder para os agentes econômicos, na linha do que aconteceu na recuperação judicial, e isso me parece crucial para dar mais eficiência. Hoje o credor tem baixíssima possibilidade de interferir,” disse Munhoz. “O projeto não mexia na hierarquia do crédito, nada disso.” 

Para a advogada Juliana Della Valle Biolchi, atuante na área de falências e professora da UFPR, está havendo uma precipitação tanto do Governo como do Congresso, porque a última reforma foi feita em 2020 e ainda não houve tempo de maturação. 

“Cada relatório que vem é uma reviravolta num determinado ponto do projeto, mexendo com toda a lógica da coisa,” disse ela. “O governo trouxe esse projeto falando em eficiência e governança. O que a gente está vendo é um descontrole completo do processo legislativo.” 

Na avaliação de magistrados, o Governo tem se pautado por grandes falências e recuperações judiciais, que são de fato processos mais lentos e trabalhosos. É o caso da Oi, das Americanas ou de processos bem mais antigos, como do Banco Santos e da Vasp. 

Para a maioria dos casos, no entanto, nos quais os valores envolvidos são relativamente bem menores, a atual legislação tem funcionado bem, com queda nos prazos de conclusão.  

Diversas entidades divulgaram notas condenando pontos do texto e o regime de urgência em sua tramitação, sem a devida discussão pela sociedade. 

“A principal crítica diz respeito à tramitação de urgência, que impossibilita o amplo debate técnico necessário para a aprovação de um Projeto de Lei com tamanho impacto para a economia nacional, a atividade empresarial e judiciária, excluindo de sua discussão os seus representantes,” afirma a União de Profissionais da Insolvência. 

Uma das críticas do meio jurídico à proposta é que ela dá aos maiores credores o poder de selecionarem um administrador da massa falida. Hoje eles são nomeados por juízes das varas especializadas. 

O projeto de Dani Cunha determina mandatos de no máximo três anos para os administradores e permite que eles sejam substituídos por um gestor fiduciário, desde que isso seja aprovado em assembleia. 

Ao apresentar o seu parecer, no dia 16 de março, a deputada disse que o objetivo de sua proposta é elevar a taxa de recuperação e evitar que os processos fiquem inconclusos por anos.