No livro “O Pior Emprego do Mundo”, argumento que a relação entre o presidente da República e seu ministro da Fazenda é a mais sensível no teatro do poder.

O presidente tem o poder de direito — seja pelo voto popular, pelo apoio do Congresso nos casos de impeachment, ou pelas armas, como foi ao longo do regime militar — mas precisa transferir parte desta autoridade para o comandante da economia. É um sentimento ambíguo. Ao mesmo tempo que transfere erros e culpas para outro, o presidente avilta o próprio poder. 

A lei de silêncio imposta pelo candidato Jair Bolsonaro a seu economista-em-chefe Paulo Guedes na última semana é uma antecipação dessa complexa relação.

O ministro da Fazenda opera como um primeiro-ministro disfarçado, superior aos demais ministros e capaz de impor sua marca ao governo. Emílio Médici está para Delfim Netto assim como Ernesto Geisel estava para Mário Henrique Simonsen. Itamar Franco só entrou para a história ao nomear Fernando Henrique Cardoso como ministro, e este, quando presidente, demitiu amigos de longa data para manter intacta a autoridade de Pedro Malan na política econômica. O governo Lula pode ser descrito pelo antes e depois de Antonio Palocci, e o primeiro mandato de Dilma não pode ser entendido sem que se relate a intervenção da presidente nas atividades de Guido Mantega. A sobrevivência de Michel Temer às votações no Congresso acerca dos pedidos de investigação da Procuradoria Geral da República está diretamente vinculada à permanência de Henrique Meirelles no comando do ministério.

Diante de 13 milhões de desempregados, um déficit fiscal projetado de R$ 139 bilhões para o ano que vem e o rescaldo da recessão de 2015/16, é natural a premência de soluções para a economia. Nunca os assessores econômicos dos candidatos deram tantas entrevistas e participaram de tantas sabatinas e debates. Trata-se de uma profilaxia para evitar surpresas depois da posse.

Até pelo favoritismo, os dois líderes nas pesquisas devem, porém, mais explicações sobre seus planos. A reação intempestiva do candidato Bolsonaro e de seu entorno contra Paulo Guedes antecipa as tensões que podem ocorrer num eventual governo do militar reformado. Ao longo dos últimos meses, Bolsonaro desculpou sua ignorância sobre economia afirmando que o “Posto Ipiranga” iria decidir tudo. Muito gente acreditou. O irônico é descobrir que Paulo Guedes também havia acreditado.  

Assim como é correto criticar a ausência de Paulo Guedes nas entrevistas para expor o que pretende fazer caso assuma o poder, é necessário cobrar de Fernando Haddad a indicação de seu porta-voz econômico. Perguntado sobre qual seria o perfil do seu ministro da Fazenda, Haddad respondeu “o meu”. Além do excesso de confiança, a resposta é dúbia. Tanto pode ser lida como a promessa de um perfil moderado, como a que Haddad imprimiu quando prefeito de São Paulo, como a escolha de um subalterno sem autoridade. A dubiedade é sempre um mau sinal num momento de crise como a atual. 

Ex-vice-presidente do Federal Reserve e membro do conselho econômico do Presidente Clinton, o professor de Princeton Alan Blinder publicou “Advice and Dissent – Why America Suffers When Economics and Politics Collide”, sobre a tumultuada relação entre políticos e economistas. “Os políticos usam os economistas como os bêbados usam o poste, mais para apoiar do que para iluminar”, ironiza. 

 
É exatamente esse uso da política econômica como “poste”, e não como eixo de governo, que devemos evitar. É fundamental que Haddad indique logo um porta-voz econômico que defenda seu plano, e que Bolsonaro deixe claro qual a real autonomia de Paulo Guedes.  Só depois disso o eleitor poderá pesar os prós e os contras de cada projeto antes de votar.
 
Thomas Traumann é jornalista. Foi porta-voz da Presidência e ministro da Secretaria de Comunicação Social no Governo Dilma.  É autor de “O Pior Emprego do Mundo”, que acaba de sair pela Editora Planeta.