Este annus horribilis vai chegando ao fim em meio ao clima mais sorumbático que o mercado financeiro já viu desde o epílogo melancólico do Governo Dilma.

No réveillon passado, tudo era festa: com o juro baixo e a migração das pessoas físicas para a Bolsa, cada gestor acreditava ter nas mãos um passaporte para o Paraíso – ou pelo menos uma casa na Boa Vista.

Agora, a maioria está perdendo do índice e não vai ganhar taxa de performance este ano. E quem não está tomando resgate está com medo de tomar.

A situação começou a se deteriorar em julho, com números de inflação piores que o esperado e a conversa sobre a mudança no teto de gastos, mas o verdadeiro ‘turning point’ veio no 7 de setembro, quando os discursos aloprados do Presidente explodiram de vez uma crise institucional que até então se mantinha latente. De lá pra cá, o País opera em clima de “apertem os cintos, o piloto sumiu.”

“Há mais de dois anos que eu não recebo uma ligação ou manifestação de interesse de gringos,” um dos gestores mais bem sucedidos do País disse ao Brazil Journal.

Aliás, de todas as traições de Bolsonaro ao ideário liberal, a maior foi contra o mercado financeiro, um dos pilares de apoio ao Governo. No faroeste caboclo do Planalto, o ‘tiro’ no STF acabou abatendo o Tourinho da Faria Lima. Vaaai Touriii… BOOM!

Os gestores político-messiânicos já não batem mais no peito. Enquanto o telefone não toca, as distorções nos preços são o assunto das mesas.

O varejo se tornou um cemitério de expectativas.

Lojas Renner hoje sai a módicos R$ 24. Há apenas oito meses – menos que uma gravidez – a empresa levantou R$ 4 bilhões a R$ 39 (!) para financiar sua estratégia de crescimento.

Assim como o Magazine Luiza, a Renner mirou no que viu e acertou no que não viu: os follow-ons de ambas foram os melhores trades feitos por companhias brasileiras este ano.

Hoje, falta coragem em todo lugar.

O Citi começou a cobrir Magalu ontem com uma recomendação de “neutro” – depois do papel mergulhar 68%.

“Os analistas passaram meses com medo de dar ‘buy’ porque sabiam que o papel tava caro,” diz um gestor. “Agora que desmanchou, ninguém quer também.  ‘Ah, mas agora mudou a situação…’”

As small caps estão baratas? “Estão, mas ninguém quer coisa ilíquida,” disse outro gestor.

Na Guararapes, a piada é que se o papel conseguir chegar ali nos R$ 11, a empresa vira um unicórnio – porque hoje a R$ 9,6 ela vale menos de US$ 1 bi na Bolsa.

Até os IPOs mais idolatrados pelo mercado estão debaixo d’água.

A Rede D’Or – “quem não tem D’Or é burro!”, dizia o consenso — saiu a R$ 58 no IPO, foi a R$ 75 em agosto, e ontem fechou a R$ 42,75, a mínima do papel.

A Hapvida negocia abaixo do preço em que estava no dia em que a fusão com a Intermédica vazou: o papel estava em R$ 14 no dia 7 de janeiro, na véspera do vazamento, bateu R$ 18 dias depois, e hoje sai a R$ 11.

Detalhe: a aprovação da fusão está avançando no CADE, e nas contas do Itaú há R$ 25 bilhões de sinergias sobre a mesa – entre custos, medicamentos, fornecedores, pessoal e serviços de terceiros.

Isso pra não falar das tais ‘fake techs’, dos IPOs que foram comprovadamente imbecis (you know who you are), e das empresas que fugiram para a Nasdaq com o argumento de que só o investidor global sabia precificá-las.

Resultado: Stone cai 80% este ano em dólar; PagSeguro, 55%. O oásis era apenas temporário.

No mundo morto-vivo das estatais, o Banco do Brasil negocia com desconto de 40% do valor patrimonial, e a Petrobras, tadinha, tem dia que o petróleo sobe… e ela cai.

Mesmo quando as coisas vão bem, o preço não reflete mais a realidade.

A Localiza – the bluest of blue chips – negociava a R$ 51 em setembro do ano passado, um dia antes da sua fusão com a Unidas ser anunciada.  Hoje, com a transação transformacional já aprovada pelo CADE, o papel sai a R$ 55 (basicamente, a correção pela Selic de um ano.)

Um banqueiro de M&A me disse que o mercado está “pior que em 2014”, e que hoje, ao contrário do que aconteceria em meados do ano, uma megafusão entre duas boas empresas faria os dois papéis subir muito pouco.

“Faz sentido,” concorda um gestor. “Hoje, as pessoas aproveitam qualquer notícia boa pra vender o papel, já que naquele dia apareceu liquidez.”

Este banker acha que as empresas ainda não estão sentindo na pele o pessimismo que está no mercado, mas essa hora está chegando.

“Por enquanto tá todo mundo repassando preço, mas depois dessa onda inflacionária, a próxima perna vai ser queda no volume de vendas,” prevê ele.

E aí, quem sabe, os múltiplos ridículos de hoje não se mostrem tão risíveis.

Há ainda os problemas que vêm de fora: com o Fed subindo os juros no ano que vem, o mundo vai entrar num cenário de menos liquidez com o Brasil enfraquecido por uma crise política que agora tem ramificações econômicas. Resumindo: enquanto o cenário global passou três anos benigno, o Presidente gastou cartuchos com inimigos imaginários. Agora que os inimigos reais estão chegando, a munição do Brasil acabou.

Onde ainda há esperança e alegria em meio a este mar de lágrimas?

JBS, Unipar e SLC Agrícola estão perto das máximas.

Três empresas de commodities. Talvez, nosso destino inescapável.