O rabino Nilton Bonder resume sua visão sobre a paranormalidade com a velha expressão em castelhano.

No creo en brujas, pero que las hay, las hay.

“Não acho que seja tudo besteira, mas também não acho que seja tudo verdade,” Bonder disse ao Brazil Journal. “Como líder espiritual, sempre tento botar um pé na porta no mundo do desconhecido.”

Para sintetizar essa visão (e relatar suas experiências com a paranormalidade), Bonder está lançando Zona Crepuscular (192 págs, Editora Rocco), uma coletânea de 25 contos que misturam  ficção com experiências pessoais do rabino.

Mais conhecido pela peça A Alma Imoral – em cartaz há 17 anos ininterruptos e já vista por mais de 600 mil pessoas – Bonder parte de casos reais que vivenciou em 40 anos de vida rabínica para construir histórias de ficção no entorno desses eventos, criando uma narrativa atraente para o leitor.

Nilton BonderSão casos como o da mulher que ligou para Bonder pedindo que ele acompanhasse uma cirurgia que ela faria para retirar um tumor. O plot twist: a cirurgia seria feita pelo Dr. Fritz, uma entidade que seria incorporada por uma pessoa.

Outro caso é o da família que procurou Bonder afirmando que seu filho estava passando por um momento estranho, que – eles achavam – poderia ser a manifestação de um Poltergeist. (Quando o menino entrou na sala, todos os vidros dos diplomas de Bonder se estilhaçaram.)

Há ainda o relato de um casamento post mortem que Bonder firmou.

“Essa viúva que não tinha conseguido casar me procurou um dia pedindo para eu realizar esse casamento,” disse Bonder. “E tem toda essa discussão moral, se eu teria o direito de fazer isso, porque um dos cônjuges não estaria presente. O conto relata esse evento, e mostra em detalhes como foi esse casamento.”

O rabino também narra um evento que vivenciou quando trabalhava numa biblioteca em Nova York, na área de manuscritos raros. Bonder diz que se deparou com uma figura que ele não sabe explicar o que era, mas que acredita ter sido uma aparição fantasmagórica.

Pode causar certa estranheza um rabino lançar um livro sobre este assunto, já que “a tradição judaica acredita no mundo pós-vida, mas não trabalha com isso nos marcos de seu funcionamento,” disse Bonder. “Não temos a figura do exorcista como na tradição católica, ou a lógica de trabalhar os dois mundo como na tradição espírita.”

Ainda assim, ele diz que o folclore judaico traz diversos casos de rabinos que atuaram como exorcistas e de histórias paranormais.

“No teatro judaico do século 18, por exemplo, a peça Dwbuk conta a história de um espírito ‘encostado’ que atormenta uma moça que ia se casar e tinha feito um juramento a um namorado anterior que já havia morrido – e os rabinos são chamados para fazer o exorcismo.”

Outro exemplo é a história judaica do Golem, uma espécie de boneco feito de barro que ganha vida, e que mais tarde inspirou a criação do Frankenstein.

Bonder, que já escreveu 28 livros e é membro da Academia Carioca de Letras, disse que decidiu escrever seu primeiro livro de ficção como uma tentativa de lidar com o tema, que mobiliza de católicos a judeus, de espíritas a ateus – e o perturba há anos.

Para ele, a paranormalidade é um assunto com várias nuances — e o título do livro vai nesse sentido.

“A Zona Crepuscular é a zona cinzenta, que fica entre o preto e branco das coisas. Aconteceu ou não? Essa zona depende de contexto,” disse ele. “É como um sonho: quando você conta um sonho para alguém, em geral a pessoa fica frustrada porque ela tem um contexto diferente do que você tem.”

 

Ouça o podcast THE BUSINESS OF LIFE, com Nilton Bonder