A Eastman Kodak é uma companhia de 137 anos, com um passado glorioso e um futuro altamente incerto.  

Sinônimo de câmeras fotográficas até os anos 80, a companhia que inventou a câmera portátil e a própria câmera digital perdeu o bonde da inovação e morreu no dia em que os celulares começaram a ter câmeras embutidas.  

Em 2012, a Kodak parou de pagar seus credores, não sem antes fechar 13 fábricas, 130 laboratórios de revelação de fotos (um millennial nem sabe o que é isso) e desempregar 47 mil funcionários.  No ano seguinte, saiu da recuperação judicial com uma visão mais modesta: uma empresa focada em impressão digital.

Mas há dois dias, a Kodak acertou um veio — o zeitgeist que capturou o planeta — e sua ação mais que triplicou em menos de 48 horas.

A companhia anunciou a criação do KodakOne, um sistema de gestão de direitos autorais que usará a blockchain para estocar os dados autorais das fotos tiradas por seus usuários. Associada a um web crawler (um código que percorre as páginas da internet, analisando-as e catalogando seus componentes), o KodakOne permitirá, em tese, uma gestão mais eficiente dos direitos de uso de imagens do que um sistema centralizado de gestão.

E para pagar os fotógrafos pelo uso das imagens gerenciadas no KodakOne, a companhia está criando sua própria criptomoeda, a KodakCoin. 

Se parasse por aí, a ideia poderia ser até considerada boa:  trata-se de uma aplicação da tecnologia blockchain para resolver um problema legítimo da web, e a marca Kodak poderia ajudar bastante na solução. 

O que tornou o anúncio escalafobético foi o que veio depois. Além da moeda digital e do sistema de direitos autorais, a Kodak anunciou que vai oferecer contratos de aluguel de mineradoras de bitcoin (servidores dedicados ao processamento da moeda digital, que recebem novos bitcoins na medida em que processam transações da moeda). Os clientes pagarão US$ 3.400 para alugar a mineradora, chamada de KashMiner, por dois anos. (Veja foto acima)

Na verdade, uma empresa chamada Spotlite licenciou a marca da Kodak para fazer essa operação, e propõe dividir os lucros da mineração de bitcoins com quem alugar o equipamento. 

Num artigo chamado “Why Kodak’s Bitcoin Scheme Is a Scam You Should Avoid”, um repórter do Life Hacker explicou o problema:

“A empresa estima que você ganhará US$ 375 por mês (US$ 9 mil ao longo de dois anos) com base no valor atual da Bitcoin e nas atuais taxas de mineração, mas é aí que o esquema não fica de pé. Um dos princípios básicos da mineração de Bitcoin é que ela se torna mais difícil ao longo do tempo. Portanto, a taxa de produção de Bitcoin desses KashMiners cairá significativamente nos próximos dois anos. É possível (até provável) que o valor da Bitcoin aumente com o passar do tempo, mas não há garantia de que este aumento seja suficiente para compensar o investimento.”

Tudo na operação — do material de marketing ao esquema de remuneração — tem cheiro de armação, e parece dar mais munição aos que acreditam que a bolha do bitcoin está próxima de estourar.

Na Bolsa, a reação foi o que se espera em tempos de bolha.  As ações da Kodak, que na terça-feira negociavam a US$ 3, fecharam ontem a US$ 10,70, com um volume quase 50 vezes maior que a média.

Para ficar bem claro: a Kodak não é uma empresa relevante, e sua ação sequer é levada a sério por investidores institucionais.  Antes da puxada do papel, a ação da Kodak negociava apenas US$ 8 milhões por dia na Bolsa de Nova York.  E, mesmo depois da alta, a companhia inteira vale apenas US$ 290 milhões — um valor de mercado irrelevante.

Mas o comportamento da ação nas últimas 48 horas é a proverbial fotografia que vale mais que mil palavras:  o retrato de mercados imperfeitos, investidores eufóricos e oportunismo clássico.