O IPO da Stone foi um dos mais bem sucedidos dos últimos anos, mas as horas que antecederam a estreia foram de apreensão e superstição nos bastidores, como conta “Da Ideia ao Bilhão — Estratégias, Conflitos e Aprendizados das Primeiras Startups Unicórnio do Brasil” (224 páginas), que acaba de sair pelo Portfolio Penguin, da Companhia das Letras.
Escrito ao longo de um ano de trabalho pelo jornalista Daniel Bergamasco, veterano de VEJA e da Folha, o livro traz cenas alegres e dramáticas da vida de startups que já valem pelo menos US$ 1 bi: Loggi, Movile, Ebanx, Stone, 99, Arco, Gympass, iFood, QuintoAndar e Nubank.
“O livro não é um compilado de dez perfis, é uma jornada contando momentos-chave desses dez primeiros unicórnios, da concepção da ideia a internacionalização do negócio,” Daniel disse ao Brazil Journal.
O livro usa o QuintoAndar para falar de design thinking, explora o processo de seleção da Stone (spoiler: ele termina numa espécie de confinamento num hotel) e a fusão conflituosa de culturas diferentes, como o que aconteceu na Movile.
Os três primeiros capítulos são sobre ideias. “Muitos empreendedores acham que têm uma ideia bilionária, enquanto todo mundo ao redor acha que aquilo não vale nada,” diz Daniel.
O penúltimo capítulo — “Sexy Sem Ser Vulgar” — explica como investidores como Softbank analisam startups e dá dicas práticas para quem está buscando um ‘sugar VC’.
“Da Ideia ao Bilhão” é um livro divertido tanto para quem está empreendendo quanto para quem quer se conectar com o ecossistema de inovação — incluindo os menos glorificados ‘intraempreendedores,’ executivos que empreendem no dia a dia dentro das corporações.
Abaixo, um trecho sobre o IPO da Stone:
Além de passar por cidades americanas, o road show da Stone para falar com potenciais investidores se estendeu, com sucesso, para Londres e Toronto. A poucos dias do IPO, o número de pedidos de grandes empresas incluía poderosos como a Berkshire Hathaway, holding de investimentos de Warren Buffett, e a Ant Financial, subsidiária de meios de pagamentos da chinesa Alibaba. O caminho da Stone para fazer o IPO estava livre.
Parte da equipe já pensava na festa de comemoração e procurava o fundador André Street sobre detalhes, o que o tirava um pouco do sério. Para ele, era hora de se concentrar no trabalho, não na comemoração. “Se eu tô fazendo a cirurgia, não quero decidir qual é o pão que vão servir. Não me fale de supérfluo na hora em que o paciente está sendo operado.
Quer organizar a festa, organiza. Se der certo, eu me visto até de jacaré. Só não se surpreenda se eu cancelar”, relata. “Eu explicava que estávamos ali para fazer a captação e deixar a companhia pública. Fechei um preço (inicial da ação) que eu sabia que ia subir. Numa situação assim você não pega todo o dinheiro que está em cima da mesa. Eu ficava concentrado em fazer o negócio ser bom para quem investisse.”
Tudo fluía tão bem, com tantos bons indicativos, que poucos conseguiam segurar a onda do entusiasmo. Depois de dois anos de preparação, faltavam menos de dois dias para a Stone festejar sob papel picado verde na sede da Nasdaq. Quando a delegação que envolvia executivos da empresa e representantes de bancos entrou no avião particular na Califórnia rumo à Costa Leste, um dos passageiros se regozijou: “Vamos agora para o voo da vitória!”.
A frase doeu nos tímpanos de André. Lembrou-se na hora das várias histórias que seu pai, já falecido, lhe contava, de gente que abriu champanhe precocemente achando que se deu bem em algo e quebrou a cara, em ensinamentos para nunca cantar vitória antes do tempo. Olhou para o sujeito e disse: “Não faz isso. Esse avião pode cair. Ainda tem chance de dar alguma merda”.
Parecia um presságio. O voo seguia tranquilo, num dia bonito de céu azul, até que a aeronave chacoalhou abruptamente. Fez uma inclinação brusca para um dos lados e, segundos depois, girou completamente para o outro. O pânico foi geral, uma sensação de completo descontrole. “Justo agora, papai do céu?”, balbuciou o CEO Thiago Piau. Não era mesmo algo trivial. Um Airbus A380 havia passado por cima do jato a uma curta distância, provocando a chamada esteira de turbulência, explicou depois o piloto.
Quando chegaram a uma parada em Baltimore, no estado de Maryland, estavam todos ainda meio assustados com o que tinha acontecido. A sensação de colocar o pé em terra firme era boa, mas se esvaiu rapidamente. Um hacker tinha invadido um computador da empresa e estava fazendo chantagem para não vazar dados confidenciais. Pedia 2 milhões de reais para fechar o bico e não azedar o IPO. Em poucas horas, o cenário mais do que favorável se transformou num barata-voa. André virou o pescoço em direção ao sujeito que profetizou o “vôo da vitória” e disse: “Entendeu agora o que eu te falei?”.