Morreu ontem Lee Kuan Yew, o homem que fez de Singapura um exemplo de eficiência econômica e baixos índices de corrupção — ainda que não um exemplo de democracia.
Seu legado deixa perguntas para o Brasil num momento em que o País atravessa o escândalo do petrolão e se arrasta no que é, no fundo, uma crise de finanças públicas causada por políticas populistas.
Antes de mais nada, é preciso ressaltar que o Dr. Lee — formado em Direito por Cambridge — não acreditava em liberdade de expressão e considerava a democracia melhor no discurso que na prática.
Ele governou Singapura por 31 anos como primeiro-ministro e tinha o péssimo hábito de processar seus críticos até quebrá-los financeiramente — uma forma, digamos, asséptica de ser fascista.
Ainda assim, em seu obituário no The New York Times há reflexões que mostram como a maneira de fazer as coisas em Singapura é o oposto do jeito de fazer as coisas no Brasil.
“Somos livres de ideologia,” Lee disse ao jornal em 2007. “A coisa funciona? Se funciona, vamos tentá-la. Se for bem, vamos continuá-la. E se não funcionar, jogamos fora e tentamos outra coisa.”
No Brasil, o equivalente mais próximo de Lee talvez tenha sido Getúlio Vargas: ambos governaram por muitos anos, frequentemente com mão de ferro, e tinham bem claro o que queriam para o País. (Infelizmente, a visão getulista era ideológica e, 60 anos depois de sua morte, o Brasil ainda não conseguiu “jogar fora e tentar outra coisa” no lugar do seu legado, que continua, em grande parte, não funcionando.)
Lee dizia que o sucesso de Singapura teve a ver com suas dificuldades. Singapura é uma mistura étnica de chineses, malaios e indianos, e não tem recursos naturais. Como dizia Lee, trata-se de um país “que não era para existir e não podia existir.”
“Para começar, nós não temos os ingredientes de uma nação, os fatores elementares: uma língua comum, uma cultura comum e um destino comum,” ele disse ao Times.
O Brasil tem tudo isso — sem falar em petróleo, minério, soja, e na proverbial ausência de terremotos — mas continua patinando e se sabotando, apesar do ‘berço esplêndido’.
Para a sociedade brasileira, a herança de Lee são duas perguntas.
Muita gente neste País tem um projeto de poder, mas quem tem um projeto de nação?
Será que precisamos de um ‘pai da Pátria’ à la Lee para darmos certo enquanto País — o que seria trágico — ou conseguiremos resolver nossas contradições dentro da pluralidade e com uma democracia que pode, um dia, ser exemplo para o mundo?
Lee morreu aos 91 anos. A democracia brasileira pós-regime militar acabou de fazer 30. Eu acho que ainda dá tempo, mas temos que pensar e agir (todos) como estadistas.