Sem Kary Mullis, muitos assassinos estariam livres, sem a prova de DNA que os colocou na cadeia.

Sem Kary Mullis, o filme Jurassic Park provavelmente não teria existido.

E sem Kary Mullis, seria mais difícil saber o sexo do seu bebê antes dele nascer. 

Talvez o nome mais importante da biologia molecular do século 20, Kary Mullis morreu na semana passada, em sua casa na Califórnia, vítima de uma pneumonia aguda. Ele tinha 74 anos.  

Inventor da técnica de PCR, que permite amplificar uma única molécula de DNA em milhões de vezes, o cientista ganhou o Nobel de química em 1993 e se consolidou como referência no assunto. 10770 5e233cf6 1cd5 5650 7435 e5a6fce5829e

A técnica desenvolvida por Mullis — chamada de polymerase chain reaction, ou apenas PCR — abriu caminho para inúmeras novas pesquisas e aplicações do DNA.

Hoje, o PCR é usado em laboratórios clínicos e procedimentos de biologia molecular, bem como na medicina forense. Como a técnica permite amplificar qualquer quantidade de DNA, ela é essencial na análise de pequenas amostras, como fios de cabelo e gotas de sangue encontradas nas cenas de crimes.  

Foi o PCR que permitiu o surgimento do “Projeto Genoma Humano”, iniciado em 1990 pelo cientista James Watson com o objetivo de mapear o genoma do ser humano; e tem sido usada há anos por biólogos evolucionistas, que aplicam o PCR para estudar as minúsculas quantidades de DNA encontradas nos fósseis de espécies extintas. 

Sem a descoberta de Mullis, o filme “Jurassic Park” provavelmente nunca teria existido. Foi a técnica do PCR que inspirou a teoria de que os dinossauros poderiam ser clonados a partir do DNA fossilizado.

Formado em química na Georgia Tech e PhD pela Universidade da Califórnia, Mullis era considerado um “excêntrico” por colegas de profissão. Apesar da genialidade no campo da biologia, um perfil do Washington Post diz que o bioquímico mostrava ceticismo em relação a teorias amplamente aceitas pela ciência, como a mudança climática e a correlação entre a AIDS e o HIV. 

Reza a lenda que ele teria saído na mão com outro cientista durante uma discussão mais acalorada. 

Pelos amigos, Mullis  um apaixonado pelo surfe  era descrito como uma pessoa de personalidade inquieta e incansável. Em determinado momento da vida, largou a ciência para se tornar gerente de uma padaria. Em outro, tentou carreira como escritor de ficção científica. 

Seu livro de memórias, “Dancing Naked in the Mind Field”, tem na capa uma foto de Mullis sem camisa segurando uma prancha de surfe. Ele descreve sua infância, conta casos amorosos (ele foi casado três vezes) e sua relação com o LSD, que usou com frequência nos anos 60 e 70. 

Numa entrevista de 1994 ao California Monthly, Mullis detalha suas experiências: 

“Naquela época, muitas pessoas estavam usando LSD em Berkeley e eu descobri que era uma experiência que abria completamente a sua mente,” disse ele. “Certamente, foi muito mais importante para mim do que qualquer curso que eu fiz na vida.” 

E continuou: “Se eu nunca tivesse tomado LSD, será que eu teria inventado o PCR? Não sei. Mas duvido. Eu seriamente duvido.”

A descoberta de Mullis ocorreu enquanto ele trabalhava na Cetus, uma grande empresa de biotecnologia de São Francisco que fechou em 1991. Mais tarde, ele admitiu que o principal impulso para sua descoberta foi o tédio. 

Cansado de sua rotina, ele começou a “brincar com vários experimentos” durante o trabalho, quando teve a ideia de copiar sequências de DNA e replicá-las.

Um pouco depois de ganhar o Nobel, Mullis decidiu empreender e fundou algumas empresas de biotecnologia. A mais célebre foi a StarGene, que fabricava joias e outros produtos infundidos com o DNA de famosos. O insight que deu origem à startup surgiu quando ele esteve em New Orleans, onde descobriu que fãs de Elvis Presley supostamente viam o fantasma do rei do rock. (Yeah, right.)

Colhendo materiais genéticos de famosos mortos e infundindo o DNA em produtos, Mullis queria “aproximar os fãs de seus heróis”. Na época, os idos de 1995, ele estimava que o mercado de DNA de celebridades poderia movimentar mais de US$ 100 milhões. 

Nascido em Lenoir, na Carolina do Norte, Mullis começou a se interessar pela ciência ainda pequeno. Um de seus primeiros experimentos — que ele descrevia com orgulho — foi com apenas 17 anos, quando amarrou um sapo num foguete abastecido com uma combinação de potássio e açúcar (criada por ele), atirou o foguete no ar e o trouxe de volta à terra com a ajuda de um paraquedas.