Bancos têm rituais, mas talvez nenhuma outra instituição tenha tanto apego a eles quanto o Bradesco. Por isso, a troca de comando às pressas, com a escolha de Marcelo Noronha como CEO, tem ainda mais significado.
“Esse movimento sem precedentes mostra um grande senso de urgência,” disse num relatório Eduardo Rosman, que cobre o setor financeiro no BTG Pactual.
Um dos trunfos de Noronha, segundo quem já trabalhou com ele, é a experiência fora da instituição e a capacidade de trazer ideias novas – que podem ajudar o banco a superar um dos momentos mais críticos de sua história, com margens e inadimplência pressionadas.
Noronha era executivo do BBVA quando o Bradesco comprou o banco, lá se vão 20 anos. A partir daí, começou a trabalhar na Cidade de Deus e ocupou papéis institucionais típicos de um vp do banco: foi presidente da Abecs, a associação que reúne as empresas de cartões, e conselheiro de companhias como a Cielo.
“Em festa do Bradesco só vai gente do Bradesco, as conversas e as ideias são sempre as mesmas. Mas o Noronha é diferente, ele circula bem fora do banco,” diz um ex-executivo da casa.
Para o gestor de um fundo de ações, “talvez ele seja o meio termo que o banco precisa agora: alguém que conhece a instituição mas não passou a vida ali.”
É um perfil diferente dos CEOs anteriores. Octavio de Lazari, que antecedeu Noronha, e Luiz Carlos Trabuco, hoje o chairman, ambos fizeram carreira no banco.
Na Cidade de Deus, Noronha foi responsável por estruturar e expandir a operação de cartões – liderou a criação da Alelo, a compra da Amex e a criação da holding EloPar, que além da bandeira Elo e da Alelo também controla a Livelo e a Veloe.
Foi ele que estruturou também a área de não-correntistas da Bradesco Cartões e as parcerias com varejistas.
Entre 2016 e 2022, Noronha comandou a operação do atacado – por um período, esteve à frente das tensas negociações com a Americanas. No início deste ano, assumiu o varejo, um dos grandes desafios do Bradesco.
“Ele conhece a rede e precisa motivar a base de gerentes a ir atrás dos clientes, não ficarem acomodados quando o cliente vem pra fechar a conta, e também criar coisas novas. O banco está muito parado diante da concorrência,” diz outro ex-executivo sênior do banco.
Nos últimos anos, os bancos digitais canibalizaram parte da franquia de varejo dos bancões.
O Itaú reagiu adotando um conjunto de ações como ofertas mais amplas de investimento para o público de alta renda, programas de isenção de tarifas e pesados investimentos em tecnologia que permitiram ampliar a concessão de crédito sem explodir a inadimplência.
Já o Bradesco saiu emprestando mais e emitindo cartões de crédito. O resultado foi uma pancada na inadimplência que ainda está sendo resolvida – com um custo altíssimo para a rentabilidade.
Dada a experiência de Noronha no atacado, o banco também pode ocupar um espaço maior no segmento.
“O Bradesco tem uma das melhores franquias corporate do Brasil,” disse Ricardo Lacerda, o CEO da BR Partners, um banco de investimentos independente. “A nomeação do Noronha vai permitir ao banco recuperar seu protagonismo nesse segmento, que tem sido uma grande fonte de rentabilidade para vários de seus competidores.”
Mudar a rota de um transatlântico leva tempo.
“É ótimo que o banco tenha se mexido, mas essa pressa para trocar o CEO mostra que o desafio é grande e não vai ser resolvido facilmente,” diz um analista.
Pouco depois de assumir o varejo, Noronha disse ao Brazil Journal que sua meta era tornar essa operação “muito mais eficiente, com um ROE adequado, em torno de 20%”.
O banco não publica seu ROE por área, mas o consolidado fechou o terceiro tri em 11,3%, quase o menor nível da história.
O agora CEO também disse na época que pretende “reduzir o custo de servir”, cortando despesas, fechando cerca de 300 agências e reorganizando outras. Também estava contratando 600 especialistas em investimentos para atender o público de alta renda e reorganizando os bancos digitais Digio e Next.
A dúvida é quanto ele conseguirá colocar as mudanças necessárias em prática dentro de uma estrutura rígida como a do Bradesco.
“Ele é muito diplomático, o que pode ajudar nas negociações. Mas será que vai conseguir quebrar os ovos necessários para fazer o omelete?”, questiona um dos ex-executivos.
Para alguns analistas, o recado de que o banco reconhece que precisa mudar seria mais claro se um outsider tivesse sido escolhido para a presidência.
Na visão de Rosman, “esse ainda pode ser o plano”, com Noronha atuando como “CEO de transição” até o dia em que o Bradesco decida trazer um nome de fora do baralho – da mesma forma que, no Itaú, “Candido Bracher sucedeu Roberto Setubal enquanto Milton Maluhy [que não era favorito] ainda estava sendo preparado.”
Filho de mãe pernambucana e pai mineiro de descendência italiana, Noronha nasceu no Recife e começou a trabalhar aos 16 anos num estágio na Superintendência de Desenvolvimento da Pesca, a Sudepe.
Passou no vestibular para administração na UFPE e entrou no Banorte, um banco privado mais tarde vendido para o Bandeirante.
Dali foi para o Excel, que acabara de comprar o Econômico de Ângelo Calmon de Sá. Mais tarde, o Excel-Econômico foi comprado pelo BBVA.
Noronha ficou com os espanhóis e montou o departamento de empresas do banco, essencialmente uma área de middle market que pegava parte do corporate.
O novo presidente do Bradesco tem 58 anos, três filhos — jovens adultos — e uma casa na Quinta da Baroneza, onde costuma ser visto passeando o golden retriever da família nos fins de semana.
Amigos dizem que ele gosta de vinhos, viagens e livros — mas a rotina do Bradesco nunca lhe permitiu desenvolver um hobby. “Ele não consegue desligar do banco,” diz um amigo.