O mercado imobiliário da China continua derretendo, derrubando as estimativas de crescimento para o país. 

Depois de anos e anos de investimentos frenéticos e preços em alta, o setor imobiliário passa por uma severa correção – e a segunda maior economia do planeta perdeu um de seus principais motores de crescimento.

A China – quem diria – enfrenta dificuldades para alcançar a meta de crescer ‘ao redor de’ 5% ao ano.

O UBS agora projeta que o PIB chinês crescerá 4,6% neste ano – e apenas 4% em 2025.

“Reduzimos nossas estimativas em razão da queda mais profunda do que a prevista no mercado imobiliário, cuja retração não parece ter chegado ao fundo do mundo,” escreveram os economistas do banco suíço.

xi jinping

Ainda segundo o UBS, a implementação das medidas de incentivo no mercado imobiliário “tem sido lenta, e seu impacto, limitado.”

Nos primeiros sete meses do ano, a venda de propriedades desabou 19% em relação ao mesmo período do ano passado, o início de construções mergulhou 23%, e o investimento em real estate recuou 10%.

“O preço das residências continuou em queda, enquanto a venda de terrenos diminuiu 22%,” disse o UBS.

Os preços começaram a cair no final de 2022 e não pararam mais.

Segundo os analistas, o governo deverá atenuar a queda no setor imobiliário com o relaxamento de regras para os negócios e alívio nas condições financeiras. Mas o efeito dessas políticas deverá ser modesto.

“Não esperamos que a redução nas taxas de juros vá incentivar novos financiamentos, tendo em vista o endividamento já elevado, a desvalorização dos imóveis e o enfraquecimento do mercado de trabalho,” disse o UBS.

A China é hoje uma economia à beira da deflação – apesar dos juros próximos de zero, um sintoma da freada profunda.

Os imóveis foram tradicionalmente um instrumento de investimento e reserva de valor para os chineses, em uma economia fechada e controlada pelo Partido Comunista.

Sem essa alternativa e diante das forças deflacionárias agindo sobre outros ativos de risco, os investidores estão migrando em massa para os títulos públicos.

Os yields dos papéis do Tesouro chinês recuaram para mínimas históricas, ao redor de 2% – e os investidores estão montando posições para ganhar com eventuais intervenções no mercado.

Foi o que se viu hoje.

O People’s Bank of China, o banco central chinês, entrou como comprador no mercado, reduzindo a liquidez disponível. Comprou 400 bilhões de yuans – o equivalente a mais de US$ 56 bilhões – em títulos de 10 e 15 anos.

“O PBoC está tentando fazer uma engenharia na curva de juros,” disse ao Financial Times o estrategista Wei Li, do BNP Paribas. “Os especuladores estão apostando contra o banco central.”

Não foi um movimento usual do PBoC, que mantém em seu balanço títulos do Tesouro de prazos mais curtos.

O rendimento dos títulos de 10 anos recuou para 2,1%. No início do ano, estava ao redor de 2,5%.

Mesmo com os juros no chão, a inflação tem se mantido próxima de zero – foi de 0,5% nos 12 meses encerrados em julho.

Para os economistas da Goldman Sachs, “muito mais será necessário para assegurar um crescimento ‘ao redor de 5%’ no segundo semestre.”

No primeiro semestre, metade do crescimento se deveu às exportações, mas elas também estão perdendo força.

“A demanda doméstica teria que compensar esse gap,” disse a Goldman em um relatório recente. “A última leva de indicadores, porém, mostra um enfraquecimento do consumo privado.”

A estratégia do Governo para evitar uma queda ainda maior da atividade econômica (e impedir a espiral deflacionária) tem sido dobrar a aposta nas exportações.

Segundo o Wall Street Journal, as companhias do setor manufatureiro de capital aberto declararam que tinham, no total, US$ 33 bilhões em subsídios governamentais ao final de 2023, um aumento de 23% em relação a 2019.

Com a derrocada do mercado imobiliário, o crédito migrou para a indústria – que se alavancou 63% mais desde o final de 2021.

Mas essa política de subsídios e incentivo à exportação causa ruídos e reações ao redor do mundo. A China exporta deflação – e é acusada de praticar dumping.

Europa, EUA e Canadá estão erguendo barreiras protecionistas contra a invasão de carros elétricos e outros manufaturados made in China, como aço e petroquímicos.

O país hoje tem a capacidade de fabricar 40 milhões de veículos ao ano, mas seu mercado interno absorve não mais que 22 milhões de carros, estima o WSJ.

Outro exemplo notório de excesso de capacidade está na fabricação de componentes para energia solar. O país consegue entregar 750 gigawatts em painéis fotovoltaicos, mas vende localmente o equivalente a 220 gigawatts.

De acordo com Sander Tordoir, o economista-chefe do Centre for European Reform, o número de firmas industriais chinesas que perdem dinheiro e dependem de subsídios para se manter em atividade seria hoje de 180 mil.

“O excesso de capacidade é impressionante,” Tordoir disse ao portal Eurcactiv, dedicado a notícias de políticas públicas do mercado comum europeu.

Fernando Rocha, o economista-chefe da JGP, disse ao Brazil Journal que a China perdeu também um outro motor importante para o seu crescimento: os investimentos estrangeiros.

“Isso ocorreu por causa das questões geopolíticas, envolvendo o que aconteceu em Hong Kong e também a pretensão chinesa de reanexar Taiwan. Estive na China depois da pandemia e isso foi muito comentado em seminários com empresas internacionais,” afirmou Rocha. “As empresas temem os possíveis efeitos em suas cadeias de suprimento.”

Para as exportações brasileiras, os efeitos da freada chinesa parecem ser limitados, disse Rocha.

“Mesmo com a desaceleração do PIB, a renda per capita vai continuar crescendo,” comentou. “Nós exportamos basicamente dois produtos, soja e minério. Vejo espaço para aumentar as exportações de commodities como carnes. Em vez de comprar apenas soja, podem comprar mais frango e carne de porco. O Brasil tem essa vocação agrícola.”

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