MILÃO – Quando a flagship da Gucci reabriu aqui no mês passado, o espaço não tinha nada dos floreios barrocos e das cores alegres que definiram a marca nos últimos anos.

Em vez disso, o visual se tornou bem menos maximalista, com linhas limpas e tons discretos. 

Essa reforma cheia de moderação faz parte de um makeover dramático de uma marca outrora florida, desenhado com o objetivo de atrair clientes mais velhos e mais conservadores. Em outras palavras: mais ricos. 

Depois de vários anos de um crescimento mais lento, a Gucci está tentando um recomeço. Num esforço para fechar o gap com seus concorrentes no luxo, a marca que sempre lutou para estar na vanguarda da moda agora está tentando se tornar mais sofisticada. 

A mudança traz o risco da Gucci se tornar só mais uma marca cara que perdeu o contato com os atributos que a tornavam única. Mas se o plano funcionar, a Gucci fará parte do pequeno grupo de megamarcas que parecem imprimir dinheiro, independentemente dos altos e baixos da economia global. 

Jean-François Palus (Gucci)“A Gucci havia chegado ao fim de um capítulo e estava prestes a começar mais um – e nós decidimos abrir um completamente novo,” disse o novo CEO da marca, Jean-François Palus. “Trata-se de aproveitar esta oportunidade de fazer algo novo, com um novo olhar, uma nova mentalidade, uma nova abordagem, nova liderança.”

Jean-François personifica a severidade das mudanças: um francês à frente de uma empresa tão italiana quanto um Chianti, ele ainda não fala italiano fluentemente, nem tem um background criativo. 

Hoje com 62 anos, Jean-François foi escolhido por François-Henri Pinault, o chairman e CEO da Kering, para reinventar a Gucci como uma marca mais resiliente, mais confiável e menos vulnerável às mudanças no ciclo da moda. É um approach que visa aproximar a estratégia da Gucci daquela de seus maiores rivais, como a Louis Vuitton, Chanel e Hermès.

Em comparação, as vendas destas marcas são fortemente dependentes de um pequeno número de produtos básicos que continuam nas prateleiras muito depois das coleções mais passageiras. 

Embora usem diretores criativos influentes em suas coleções – como o superstar Pharrell Williams na Louis Vuitton – estas marcas não centralizam toda sua visão criativa em torno de uma única pessoa. Não importa o que aconteça na passarela, os clientes podem sempre encontrar suas bolsas básicas e itens essenciais de luxo nas lojas.

Como parte da estratégia, a Gucci também está tentando se tornar menos disponível, reduzindo sua gama global de produtos em 20% nos últimos meses e cortando a rede de distribuição. 

Mas talvez nada reflita melhor o reset da marca de 102 anos do que a contratação de Jean-François como CEO em julho. Ele começou sua carreira como auditor e assessor financeiro na Arthur Andersen; depois foi o contador da divisão de madeiras do conglomerado que viria a se tornar a Kering, que atualmente inclui marcas como a Saint Laurent e a Balenciaga, além da Gucci.

No início, Jean-François havia sido escolhido para um mandato de transição. Mas agora, executivos da marca já dizem que ele provavelmente ficará no cargo por pelo menos dois ou três anos. Para reforçar o italiano, o CEO francês faz aulas duas vezes por semana, além de ler livros infantis. 

Ele também demorou um pouco para se acostumar às vantagens do cargo: quando sua assistente tenta reservar uma mesa nos restaurantes de Milão para ele, ela muitas vezes recebe um ‘não’ porque os maîtres d’ ainda não conhecem seu nome. Quando ela explica que ele é o CEO da Gucci, os horários se abrem instantaneamente. 

François-Henri PinaultComo parte do reset da Gucci, Jean-François redirecionou grande parte dos gastos com marketing digital para revistas sofisticadas e outdoors – uma mudança radical dado que o crescimento nos anos anteriores havia sido alimentado pelas mídias sociais. No Instagram, a marca agora publica fotos meticulosamente escolhidas seis ou sete vezes por semana – em vez das várias publicações diárias que fazia anteriormente. 

Com sua origem no mercado de artigos de couro há mais de um século, a Gucci está explorando sua história com versões modernas dos clássicos: a bolsa Bamboo, criada pela primeira vez na década de 1940; os mocassins Horsebit, da década de 1950, e a bolsa Jackie, em forma de meia-lua, que estreou em 1961 em homenagem a Jacqueline Kennedy. “É mais uma questão de pensar nos próximos 20 anos, em vez de lamentar os últimos cinco,” disse Jean-François.

Ele assumiu as rédeas no momento em que Gucci passa por uma completa reinvenção criativa. Pouco antes da mudança de regime, Sabato De Sarno, um designer pouco conhecido que antes trabalhava na Valentino, assumiu o controle da equipe criativa da Gucci. Ele é a primeira contratação externa da marca para o cargo na história da Gucci. 

“A Gucci prospera no exagero,” disse Luca Solca, um analista da Bernstein. A “mudança para o clássico torna a coleção potencialmente mais comercial, mas também obriga a Gucci a competir com concorrentes mais estabelecidos,” como a Chanel e a Hermès.

As condições para a transformação da Gucci também são inóspitas, porque os consumidores de bens de luxo se retraíram no ano passado em resposta à incerteza econômica e ao aumento da inflação. E os consumidores mais jovens, que tradicionalmente representam boa parte das vendas da Gucci, foram os que mais recuaram. 

Para piorar a situação, a Gucci já havia perdido o bonde que alavancou as outras marcas de luxo durante a pandemia. Os compradores ricos, muitos deles confinados em casa, acumularam dinheiro e tiveram mais tempo para gastá-lo.

Em 2022, a LVMH, a maior concorrente da Gucci, viu suas vendas aumentarem 74% sobre os níveis de 2019 em sua divisão de moda e artigos de couro, que inclui marcas como a Louis Vuitton e a Christian Dior.

No mesmo período, as vendas da Gucci aumentaram apenas 9% e, no terceiro trimestre de 2023, as vendas caíram 14%.

A Gucci adotou um estilo de vanguarda pela primeira vez na década de 1990, quando designs como os smokings justos em tecidos luxuosos tornaram a marca uma queridinha dos críticos. Mas a estratégia expôs a marca ao gosto volúvel dos aficionados da moda, e ela tinha poucas peças agnósticas que os consumidores pudessem comprar recorrentemente, temporada após temporada.

As vendas dispararam sob o comando do designer americano Tom Ford na década de 1990 e no início dos anos 2000. Mas por volta de 2014, o brilho da Gucci já diminuíra a tal ponto que a Bergdorf Goodman, a lendária loja de departamentos americana, não queria mais seus produtos.

A Gucci voltou ao topo depois que o designer italiano Alessandro Michele foi promovido a diretor criativo, em 2015. Mais recentemente, os consumidores se cansaram do rococó e da visão de mistura de gêneros de Alessandro, e a Gucci passou a ser uma âncora para a Kering, onde ela representa mais da metade das vendas e dois terços do lucro principal. O conglomerado hoje negocia com um desconto de múltiplo de 25% em relação a muitos de seus pares.

Enquanto continua cortejando os compradores mais jovens com peças ornamentadas, a Gucci também está tentando apelar para clientes que querem comprar roupas ou acessórios mais atemporais. Tradicionalmente, a Gucci se sai bem em bolsas com preços entre US$ 1.500 e US$ 2.500, mas agora está trabalhando para melhorar sua oferta em faixas de preços mais altas. 

Na butique recém-reaberta, a Gucci está promovendo a Jackie Notte, uma bolsa recém-lançada e inspirada na clássica Jackie. (O couro da Jackie Notte é mais sofisticado, o forro é mais luxuoso, há mais realces dourados, a costura é mais fina, e os pontos, menos perceptíveis.) 

No prêt-à-porter, a marca está apostando mais nos vestidos mais formais. Taylor Swift foi à cerimônia do último Golden Globes com um vestido verde da Gucci que ia até o chão. 

A Gucci também abriu uma série de salões sofisticados para os ultrarricos onde nada custa menos de US$ 40 mil – e algumas peças podem chegar a US$ 3 milhões.

Sabato De Sarno não hesitou em se livrar da estética recente da marca. A primeira campanha publicitária sob seu comando, que foi ao ar no Instagram em agosto, mostrou a modelo Daria Werbowy, de 40 anos, vestida apenas com jóias de ouro e um biquíni preto – um forte contraste com as imagens ornamentadas da época de Alessandro Michele.  

A planta da recém-renovada loja de Milão será implementada em cerca de 20 outras lojas Gucci no próximo ano e meio, mas é um projeto arquitetônico de transição que foi desenvolvido em questão de semanas. A Gucci está contratando um escritório de arquitetura para criar uma visão de mais longo prazo para suas lojas, e este novo projeto começará a ser implementado no segundo semestre de 2025. 

No primeiro desfile de Sabato De Sarno, em setembro, Pinault tentou administrar as expectativas, dizendo que o segundo ou o  terceiro desfile do designer provavelmente seriam mais importantes.

“Não se pode chegar ao clímax tão rapidamente,” disse Pinault, acrescentando que De Sarno não havia tentado colocar tudo na primeira coleção. “De qualquer forma, isso seria um erro,” disse o bilionário. 

Para o segundo desfile de De Sarno – e sua primeira coleção masculina – os modelos subiram à passarela vestindo ternos sob medida, longos sobretudos e mocassins pretos grossos. Houve um foco claro em acessórios com apelo comercial, como joias de ouro volumosas e a bolsa Jackie, apresentada em bordô e verde limão. A paleta de cores era sombria. 

Assim como no primeiro desfile, a coleção atraiu reações diversas. Jean-François disse que o reset vai levar tempo. “Tudo o que fazemos agora é com vistas ao longo prazo.”

 

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