Cansado de apanhar (calado) com o discurso da “desbancarização”, o Itaú Unibanco agora está disposto a desconstruir a narrativa das corretoras independentes, uma atitude que pela primeira vez o coloca em oposição aberta e frontal com a própria XP, onde o banco é o maior acionista mas tem poder de voto limitado.
“É a hora de falar coisas que estavam presas na nossa garganta,” Carlos Constantini, o diretor do wealth management do Itaú, disse ao Brazil Journal. “Quem só olha a superfície é bombardeado por uma narrativa falsa usada por players de mercado.”
Para contar o seu lado da história, o banco estreou ontem à noite uma campanha para marcar o novo posicionamento do Personnalité — seu segmento de alta renda — e reforçar seu diferencial em relação às corretoras independentes.
Na campanha — criação da DPZ&T, produção da 02 Filmes e direção de Fernando Meirelles — o Itaú faz referência à implosão dos mercados este ano, na esteira da covid. Numa das peças, situada em 2019, um cliente diz ter conta em corretora porque “está na moda ter um assessor,” que lhe recomenda investimentos “sem risco” e o faz se sentir “o rei de Wall Street.”
Mas na sequência, supostamente após a queda dos mercados, o cliente diz finalmente entender que “não tinha risco para ele (o assessor), que ganhava comissão por tipo de investimento.”
A reação do Itaú marca a primeira vez que o banco autoriza dois executivos sêniores a falar abertamente sobre o que o banco qualifica como “distorções” sobre a qualidade do serviço que presta na área de investimentos.
Na conversa com o Brazil Journal, Constantini e André Rodrigues, o diretor-executivo do varejo do Itaú, buscaram explorar três temas geralmente usados pela concorrência para atacar os bancões.
O primeiro é a sugestão de que os bancos só vendem produtos próprios e não teriam a diversidade de ofertas das plataformas. Depois de abrir sua prateleira a produtos de terceiros em 2017, o Itaú hoje oferece 427 produtos próprios e outros mil de terceiros, de fundos de investimento a CRAs e LCIs.
“Temos mais produtos e produtos melhores que os concorrentes,” diz Constantini. “Pense no melhores gestores que você consegue imaginar… Para nenhum deles representamos menos de 20% a 22% dos seus recursos sob gestão.”
O segundo ponto é botar o dedo na ferida: apontar o que o Itaú considera ser um conflito de interesses inerente ao modelo das corretoras e seus agentes autônomos.
Como os assessores são remunerados pelo rebate que recebem de cada produto — e como alguns produtos pagam rebates maiores que outros — Rodrigues diz que os agentes autônomos têm um incentivo para oferecer ao cliente o produto que lhes paga a maior remuneração (e não necessariamente o melhor para o cliente).
“Aqui no banco, nossos gerentes e assessores têm uma remuneração fixa — o que já tira deles a necessidade de matar um leão por dia,” diz Rodrigues. “Além disso, mais da metade da remuneração variável de um gerente Personnalité está vinculada à sua capacidade de captar dinheiro e ao NPS [uma métrica de satisfação do cliente].”
Mais: em breve o Itaú vai incluir o retorno do cliente como parte da métrica de remuneração dos assessores de investimento. Um piloto já está sendo testado, com resultados expressivos para a performance das carteiras.
Os executivos também destacaram como o banco usa tecnologia para criar carteiras adequadas aos parâmetros de suitability do cliente.
A ferramenta do Itaú, chamada Portfolio Review, faz mais de 200 mil simulações — combinações de produtos — para buscar o melhor risco-retorno esperado para cada perfil. Ao propor a carteira ao cliente, o banco mostra o retorno prospectivo (probabilidades de retorno em cada cenário, incluindo o risco de perda nominal), o que é raro na indústria. “Não ficamos apenas no ‘performance passada não garante performance futura,’” disse Constantini.
Sobre as altas taxas dos fundos DI — outro alvo das críticas aos bancões — Constantini disse que todos os clientes do banco hoje tem acesso a fundos DI com taxa de administração de 0,3%.
O discurso do Itaú busca contrastar o modelo transacional das corretoras — que ganham com o giro da carteira do cliente — com o modelo relacional em que o banco ganha com a satisfação do cliente no longo prazo.
Nos próximos meses, o Itaú vai aprofundar sua plataforma de investimentos digital e estuda transformar algumas agências em “investment centers,” focados apenas na assessoria financeira e em produtos como seguros e crédito imobiliário, em que o cliente gosta de ter uma interface direta.
O banco quer que seu novo posicionamento reenergize a autoestima dos 4.500 gerentes e cerca de 900 especialistas do Personnalité — numa era em que as plataformas cultivam uma imagem “cool” e tentam pintar os gerentes de banco como ultrapassados.
A campanha de marketing “quer dar voz a essa frustração deles por não contarmos [o nosso lado] da história e deixarmos essa imagem se cristalizar, uma imagem que não faz jus à realidade.”
Em outubro passado, no encontro anual de líderes do banco, o CEO Candido Bracher provocou os dois acionistas controladores sobre a XP e a concorrência das plataformas.
Na frente de 8 mil pessoas, Pedro Moreira Salles não pestanejou: “Temos que ir pro pau.”
Roberto Setúbal, seu co-chairman, emendou: “Temos mesmo que ir pro pau e tenho convicção de que podemos ganhar deles.”
A expressão viralizou dentro do banco, dando origem a memes e à hashtag #vpp.
Agora, pelo jeito, o pau vai comer.