A Stellantis, líder do mercado automotivo brasileiro e a quarta montadora do mundo em volume, anunciou hoje uma série de mudanças na sua executiva global.

Entre elas, um novo comandante para a operação América Latina, sediada no Brasil: o italiano Emanuele Cappellano, que retorna à empresa. 

Cappellano foi CFO da subsidiária latino-americana até 2021, mas nos dois últimos anos foi CEO para a América do Norte de outra multinacional de raízes italianas, o fabricante e distribuidor de óculos Marcolin.

Boopo Antonio Filosa 1Mas a notícia mais intrigante do dia foi a confirmação do destino do antecessor de Cappellano, o também italiano Antonio Filosa. 

O engenheiro napolitano de 47 anos, veterano da Fiat e baseado no Brasil desde 2005 – com esposa e filho mineiros – será o novo head global da Jeep, possivelmente a mais valiosa das 14 marcas automotivas que compõem a Stellantis, cujo portfólio inclui a Fiat, Peugeot, Citroën e RAM. 

Filosa trocará o calor da sede de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, pelo inverno gelado de Auburn Hills, Michigan, onde sucederá o francês Christian Meunier, de 50 anos. 

Com uma longa trajetória na aliança Renault-Nissan, Meunier assumiu a liderança da Jeep em maio de 2019 e, segundo o comunicado da Stellantis, deixa o cargo para “fazer uma longa pausa para focar em interesses pessoais”.

Uma rápida análise do track record recente de Meunier à frente da Jeep e de Filosa na liderança da Stellantis Latam, porém, sugere que o notoriamente implacável CEO global da empresa, Carlos Tavares, teria motivos de sobra para incentivar o “sabático” de Meunier. 

2019 marcou justamente o pico de vendas para a Jeep, com quase 1 milhão de carros vendidos globalmente. A marca entrou em declínio desde então, fechando 2022 com 684.614 carros comercializados, 12% a menos que em 2021. O primeiro semestre deste ano trouxe outra queda – de 12% contra o mesmo período do ano anterior. 

De certa forma, a Jeep é vítima de seu próprio sucesso: a marca experimentou forte crescimento ao introduzir o seu ethos off-road aventureiro em produtos mais baratos e simples focados em mercados emergentes, estratégia na qual a dupla Renegade e Compass e a fábrica brasileira de Goiana (PE) foram cases cruciais de sucesso. 

Lançados em 2015 e 2016, os Renegade e Compass made in Brazil e exportados para a América Latina ajudaram a transformar o continente no segundo mercado da Jeep, com 16% de participação no share total da marca, atrás apenas da América do Norte, que representa quase 66% do business. 

De lá pra cá, literalmente todos os grandes conglomerados automotivos passaram a oferecer inúmeros concorrentes no segmento de SUVs compactos com “verniz” aventureiro, roubando volume da marca norte-americana. Chegando perto de uma década de vida – uma eternidade em termos automotivos – o Renegade e Compass ainda não possuem sucessores no pipeline imediato.

Outros três grandes “vacilos” pesam contra Meunier. O primeiro é a incapacidade de ganhar penetração na China (o maior mercado do mundo responde por pífios 2% das vendas globais da marca), fruto em grande parte do segundo erro: a lentidão da marca para abraçar a eletrificação, fundamental para a expansão no mercado chinês. A Jeep hoje possui apenas um veículo 100% elétrico no seu line-up, o pequeno Avenger, focado no mercado europeu. 

O terceiro erro foi a reação insuficiente diante do sucesso do Ford Bronco nos EUA, que impactou fortemente as vendas do ganha-pão da Jeep na América do Norte, o icônico Wrangler. 

Nesse atraente filão de off-roaders “raiz” com tickets de entrada elevados e margens gordas, o Wrangler – que reinou sozinho no segmento até a chegada do Bronco em 2021 – ainda lidera, mas tem sua posição ameaçada pelo Ford, que registra aumento de 37% nas vendas até o momento em 2023, ante uma queda de 17% para o Jeep. 

No reverso da moeda, Filosa assumiu a chefia latino-americana da então Fiat Chrysler Automobiles em 2018, após dois anos como head da FCA na Argentina, e comandou no continente a fusão com a PSA (Peugeot-Citroën) que deu origem à Stellantis em 2021. 

O grupo desde então está consolidado como líder nos três principais mercados da América do Sul – no primeiro semestre de 2023, fechou com 32,2% de share no Brasil, 31,3% na Argentina e 12,3% no Chile.

Desde a fusão, a Stellantis se notabilizou como o grupo que mais investiu em engenharia e na produção de modelos com foco em alto volume para o mercado sul-americano, como o Fiat Toro, Argo, Cronos e Mobi, o Citroën C3 e a picape RAM Rampage, todos desenvolvidos e fabricados no Brasil e primariamente voltados para o gosto do consumidor brasileiro. 

As mudanças anunciadas hoje pela Stellantis entram em vigor em de novembro.