Recuperar a imagem do país no cenário internacional tem sido um desafio mais complexo do que o Governo Lula poderia imaginar quando declarou, ao ser eleito, que o Brasil voltaria a ter um protagonismo global.

Alternando avanços e escorregões desnecessários, o País conseguiu reconstruir laços formais e diplomáticos e retomar relações institucionais. Recuperou uma certa relevância ao ser escolhido para sediar grandes eventos internacionais como o G20 e a COP30, mas voltou algumas casas no xadrez internacional ao se posicionar sobre guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza.

Em “O Brasil voltou? O interesse nacional e o lugar do país no mundo” (Editora Pioneira), que será lançado hoje às 19 horas na Livraria Martins Fontes da Avenida Paulista, o embaixador Rubens Barbosa e o jornalista Daniel Buarque organizaram uma coleção de respostas a essa intrincada pergunta.

Barbosa, nosso embaixador em Londres (1994-1999) e Washington (2000-2004) – este último posto durante a transição do Governo Fernando Henrique para o Lula I – se uniu a Buarque, doutor em relações internacionais pelo King’s College de Londres, para analisar os sucessos, fracassos e desafios da nova política externa brasileira neste mundo cada vez mais maluco.

Por meio de artigos inéditos de diplomatas, pesquisadores e cientistas políticos, o livro busca entender o que significa essa ideia de “volta” do Brasil, tanto do ponto de vista do hard power – como o campo militar, as pretensões ao Conselho de Segurança da ONU e a agenda ambiental – ao soft power, a influência que o Brasil pode exercer no mundo por meio de sua indústria cultural. 

Depois de um governo em que o chanceler se orgulhava de fazer do país um pária internacional com uma postura antiglobalista e negacionista ambiental, Lula voltou ao poder deixando claro que sua “doutrina” em política externa seria baseada em restaurar a imagem do Brasil e suas relações. 

Mais do que uma preocupação trivial ou mera questão diplomática, uma boa imagem ajuda na projeção internacional do país e pode impulsionar sua capacidade de atrair comércio, investimentos, turistas, talentos e consumidores. É o primeiro passo para alcançar status no mundo, uma das grandes prioridades da política externa brasileira desde que o país se tornou um Estado dentro do contexto geopolítico global.

A obra foi produzida a partir da experiência do portal Interesse Nacional, a versão digital da revista lançada por Barbosa há duas décadas e que tem como pauta discutir a inserção brasileira e os interesses do país no cenário internacional. 

Abaixo, trecho do capítulo “A volta ‘do cara’: a simbiose entre as imagens do país e do presidente,” de Daniel Buarque.

Por mais que todo o discurso fosse sobre a volta do país, entretanto, não era difícil de perceber que a campanha para a recuperação da imagem brasileira era também um projeto para reabilitar a reputação internacional do próprio Lula. Ao reassumir o poder e priorizar o discurso de “volta”, Lula buscava os holofotes do mundo para tentar restabelecer seu perfil de importante liderança internacional, tentando trazer de volta seu status de principal impulsionador do Brasil na política internacional (Zeitel, 2023). Desde que foi eleito e antes mesmo de tomar posse, Lula se mostrava confiante de que iria limpar seu nome pelo mundo (Mazzini, 2022).

Uma das principais evidências de que a campanha para recuperar o prestígio do Brasil estava associada a uma tentativa de promover a imagem do presidente era o que críticos viam como um sonho de Lula de ganhar o prêmio Nobel da Paz. 

Para muitos, a insistência na agenda de melhorar a imagem do país sugeriria uma “campanha”, uma “obsessão” pelo prêmio e uma vontade de se tornar um “novo Mandela” (Almeida, 2023; Livianu, 2023; Polzonoff Jr, 2023; Traumann, 2023). 

A predominância de temas internacionais mesmo em encontros com políticos em Brasília ajudou a criar essa percepção de que o presidente deseja nessa nova fase de sua carreira política chegar ao ápice com algum reconhecimento internacional, dando a impressão de que Lula desejava ser laureado com o Nobel (Poder 360, 2023b).

O próprio PT e o assessor de Lula para assuntos internacionais, Celso Amorim, já defenderam que o presidente fosse premiado por “retirar quase 30 milhões de brasileiros” da pobreza. Em sua volta ao poder, críticos alegavam que Lula focava temas como a defesa dos direitos humanos, da democracia e do meio ambiente, caros ao comitê do Nobel (Marins, 2023; Souza, 2023). Assim que tomou posse, em janeiro de 2023, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, também tocou no tema e disse que Lula ganharia o prêmio Nobel da Paz quando o Brasil zerasse a taxa de desmatamento no país (Grigori, 2023). Desde o começo do governo, aliados do presidente começaram a aventar a ideia de que Lula teria chances reais de ser indicado ao Nobel a partir de uma iniciativa surgida da comunidade internacional organizada com apoio de membros da ONU como forma de mandar um recado para a extrema-direita e de marcar posição contra a destruição do meio ambiente (Cesar, 2023). E o tema voltou a ganhar força por conta da tentativa brasileira de negociar acordos de paz em conflitos de grande porte, como as guerras na Ucrânia e em Gaza.

Além do esforço internacional, Lula também usa essa reconstrução do seu papel no mundo para apelar à audiência doméstica. Um pronunciamento presidencial exibido na véspera do 7 de Setembro, por exemplo, apresentou os melhores momentos das suas visitas a outros chefes de Estado. Um dos principais mostrava Lula desfilando num tapete vermelho em Pequim, na China, ao lado de Xi Jinping, diante da praça da Paz Celestial. Uma consultora de comunicação que assessorou Lula identificou no presidente a noção de espetáculo e a criação e interpretação de personagens e associou-o à personagem da fênix após a prisão e a volta ao poder (Zeitel, 2023).