O IPO do Uber foi um fracasso colossal — e, segundo uma reportagem do The New York Times, a culpa foi da estrutura de incentivos, de banqueiros que dizem só o que o cliente quer ouvir e da concorrência gerada por um dos maiores investidores na empresa, o Softbank.

Em setembro, quando começaram as apresentações dos bancos para conquistar o mandato para a operação, o Morgan Stanley e a Goldman Sachs disseram à empresa que conseguiriam convencer os investidores a avaliar o Uber em US$ 120 bilhões. (Curiosamente, todos os bancos falavam o mesmo ‘número mágico’…)

A ambição de preço vazou, e a expectativa sobre a oferta foi fixada lá em cima. 

Só agora o mercado ficou sabendo (graças ao NYT) que o número mágico era fruto de um incentivo perverso: o contrato de remuneração do CEO Dara Khosrowshahi, que assumiu no fim de 2017 com a missão de fazer o IPO, estipulava que se o Uber fosse avaliado em US$ 120 bilhões ou mais por pelo menos três meses nos próximos cinco anos, ele receberia um bônus adicional de US$ 80 milhões a US$ 100 milhões. 

Qualquer analista via que o Uber tinha dois problemas fundamentais.  Primeiro: está longe de dar lucro. Segundo: sua taxa de crescimento — uma métrica essencial para empresas de tech que queimam caixa adoidado — vem diminuindo. 

A culpa, neste caso, é da concorrência, curiosamente fomentada principalmente pelo Softbank, um dos maiores investidores do próprio Uber. 

Fontes ouvidas pelos repórteres do NYT afirmam que o avanço da 99 no Brasil, comprada pela chinesa Didi Chuxing — investida do fundo de Masayoshi Son — desacelerou o crescimento do Uber na América Latina, uma das regiões que vinha segurando a expansão da receita. 

Aportes do Softbank em delivery também colocaram o UberEats sob ataque. Nos Estados Unidos, os japoneses colocaram centenas de milhões de dólares no DoorDash e, mais recentemente, investiram US$ 1 bilhão no Rappi, na América Latina. 

Para piorar as coisas, a Lyft — maior concorrente do Uber na América do Norte — havia estreado na Bolsa em março e seu papel só caiu desde então, mostrando a desconfiança do mercado em relação ao negócio. 

Quando começaram a sondar potenciais investidores em abril, os banqueiros já ventilavam um valuation de US$ 100 bilhões. 

Ainda assim, não deu. 

Diversos investidores tradicionais de IPOs já haviam comprado ações do Uber em rodadas privadas — e a preços muito menores do que estava sendo proposto na oferta. Desde 2009, o Uber já havia levantado mais de US$ 10 bi não só de fundos de venture capital e private equity, mas de mutual funds, como o Fidelity. 

“O IPO do Uber se tornou um exercício de como fazer os investidores já existentes comprarem mais ações – uma venda difícil, especialmente a um preço mais alto”, resumem os repórteres do NYT. 

A faixa indicativa do IPO saiu entre US$ 44 e US$ 50 por ação, o que levaria o valor de mercado do Uber, no máximo, a US$ 84 bilhões. 

Fontes ouvidas pelo jornal dizem ainda que não houve alinhamento no conselho. 

Apenas um pequeno grupo de conselheiros — incluindo o CEO, o chairman Ronald Sugar, e David Trujillo da TPG — estavam focados no IPO e sabiam qual era a estratégia dos executivos durante o roadshow. 

Para completar o inferno astral, na semana de precificação a Lyft reportou um prejuízo de US$ 1,14 bilhão no trimestre, e Donald Trump decidiu engrossar o tom na guerra comercial com a China, azedando de vez o humor dos mercados.

Resultado: os papéis do Uber saíram quase no piso da faixa indicativa, a US$ 45. 

Depois de cortes sucessivos nas estimativas da companhia, o Uber saiu avaliado a US$ 82,4 bilhões — e em quatro dias de negociação, acumula queda de 7%. Hoje, o papel sai a cerca de US$ 42 e até agora não negociou acima do preço do IPO.