Recentemente, alguém fez um tweet resumindo os tempos malucos por que passa a economia global:
“Eu sou do tempo em que hambúrguer era de carne, canudo era de plástico e bond pagava juros.”
Mário Torós acha que dava pra adicionar: “Eu sou do tempo que, quando tinha crise, o Brasil subia o juros.”
Para o co-fundador da Ibiuna Investimentos e seu sócio, Rodrigo Azevedo, se a desaceleração em curso acabar se provando o início de uma recessão global, o BC brasileiro vai acabar derrubando a SELIC abaixo de 5%.
Fundada em 2010, a Ibiuna tem aproximadamente R$ 6,2 bilhões sob gestão em fundos multimercado macro — que respondem por mais da metade do volume — ações e previdência.
Azevedo e Torós ocuparam o cargo de diretor de política monetária do Banco Central — o primeiro, entre 2004 e 2007, o segundo, de 2007 a 2009.
Foi com Torós na cadeira que o BC brasileiro — pela primeira vez numa crise — pôde cortar a SELIC em vez de aumentá-la.
Hoje, eles vêem semelhanças entre os cenários. “O setor externo está ok, há uma política fiscal apertada, expectativa de inflação na meta e uma ociosidade grande,” Azevedo disse ao Brazil Journal. “Existe uma chance grande de que a resposta do BC a uma deterioração do cenário internacional possa ser anticíclica como foi em 2008.”
Desde o ano passado, a Ibiuna tem ganho dinheiro com uma aposta simples: a compressão das taxas de juros nos EUA, Europa, Brasil e México.
Até ontem, o principal fundo da casa, o Ibiuna Hedge STH, estava rendendo 288% do CDI no ano e 203% do benchmark nos últimos 12 meses.
Abaixo, os melhores trechos da conversa com Torós, Azevedo e André Lion, o sócio responsável pela estratégia de equities.
Estamos no fim do ciclo ou vocês estão vendo essa queda recente do S&P como apenas mais uma correção deste equity rally global que já dura dez anos?
Rodrigo Azevedo: O mundo está no que chamamos de late cycle, a parte tardia do ciclo, onde o pico do crescimento ficou para trás e o que você tem que fazer agora é administrar esse pouso. Se você não administrar bem esse pouso você pode ir para recessão. O que ficou claro é que o Banco Central dos Estados Unidos achava que podia continuar subindo a taxa de juros porque a economia estava forte.
Mas os mercados chegaram e mostraram para ele que não era bem assim e ele basicamente fez uma virada. Essa guinada que ele faz, de dezembro para julho, é um negócio não usual para os mercados. O Banco Central num mundo desenvolvido vira como um transatlântico. O Fed subiu os juros em dezembro e em julho tava cortando. Fora de períodos de crise, isso é incomum e gerou um movimento grande de curvas que estavam empinando, para curvas que passam a ficar na horizontal e inversão.
O grande tema para nós aqui este ano —mais do que a Reforma da Previdência — foi surfar esse movimento de fechamento de taxas de juros. Se a curva americana fecha, a pressão que tem sobre todas as outras curvas no mundo é gigantesca.
Mário Torós: Essa foi a visão que tínhamos, e esse era o mundo que achávamos. Mas aí entra a segunda parte da história. A primeira parte é essa: desaceleração cíclica e os Bancos Centrais usando seus instrumentos para fazer o que a gente estava achando. Mas aí chegamos em maio. Quando o Fed já havia sinalizado que ia baixar os juros, tem o primeiro tweet do Trump sobre a China, dizendo que não tinha acordo, que ia impor tarifas, etc. A partir daí, se inicia um processo onde o cenário alternativo a uma desaceleração cíclica — que seria o mundo cair numa recessão — aumenta de probabilidade.
O cenário base da Ibiúna hoje é de que o mundo está entrando numa recessão?
Rodrigo: Meu ponto central é que estamos numa desaceleração cíclica. E o risco é: se não for isso, é pior. Isso leva a um posicionamento dos bancos centrais de que é preciso mitigar esse processo e, se os dados piorarem, é preciso mitigar rápido. É isso que faz com que as curvas de juros estejam muito pesadas no mundo inteiro. Porque os BCs estão tentando gerenciar o pouso suave. E pode ser que não seja suave. E se não for suave vai ter que cortar muito mais. Estamos posicionados para queda de juros e se estivermos errados o mais provável é que ele caia mais do que a gente acha. Achamos esse risco maior do que o risco de que haja uma reaceleração da economia global no curto prazo.
Mas entre pouso suave e recessão, como vocês dividem as probabilidades?
Mário: 60% para pouso suave e 40% para recessão. Os Bancos Centrais já estão reagindo. E em geral o impulso de política monetária aparece com um certo atraso. Então, os Bancos Centrais já começaram a dar antes de entrar em recessão e isso mitiga a chance de irmos para uma recessão. Mas o curioso desse momento é que não há somente uma dinâmica típica de ciclo porque há um elemento exógeno: a guerra comercial. O Banco Central está fazendo direitinho, mas se a guerra comercial se aprofundar haverá um grande impacto recessivo que vem via queda do comércio internacional. Então, o Banco Central está se mexendo, mas se a guerra comercial piorar o mundo pode ir para recessão. E esse evento é muito mais difícil de prever do que prever o que os Bancos Centrais vão fazer.
Quais são as posições que vocês montaram para aproveitar esse cenário?
Mário: O que fazemos aqui é operar os ciclos de política monetária nos diferentes países. Quando de alguma forma lemos um mercado e entendemos o ciclo de política monetária, o que acontece é o seguinte: quando o juro está caindo queremos estar doado no juros e quando está subindo queremos estar tomado na taxa de juros. Sabemos fazer isso e o grande dinheiro que a gente faz é nas inflexões, quando a taxa de juros bate lá em cima e começa a cair, ou o contrário. Entender isso e conseguir antecipar esses movimentos é o que de fato dá dinheiro.
Rodrigo: Este ano tivemos exatamente essa guinada. De onde veio o grosso do dinheiro? Veio dessa guinada. E ganhamos no Brasil, nos Estados Unidos, e principalmente no México. Hoje, a maior posição do fundo é no Brasil, entre juro nominal e juro real. E estamos dados no juros. Mas também tem posição no México, Estados Unidos e Inglaterra. Estamos apostando que os juros vão cair nesses três países também. Essa é uma aposta grande, e utilizamos como hedge o câmbio. De vez em quando, quando queremos, ficamos comprados em dólar.
Quando os juros globais fecham nas várias geografias, isso dá suporte ao equity market? Ou tem uma hora em que os juros estão caindo mas tá todo mundo tão ferrado que a produção vai cair também e o melhor é shortear equities também?
Mário: Depende se o Banco Central vai na frente ou se ele vai atrás da curva de juros. Se você tiver uma guerra comercial, ele está behind the curve.
André Lion: O que está acontecendo no mundo: há uma recessão clara no setor de manufatura. Mas o setor de serviços no mundo inteiro está ok. A demanda doméstica está ok. Isso é claramente um sinal de que o que está afetando são os canais relacionados a comércio. E se a guerra comercial acalmar, a manufatura sobe e não vai ter recessão. Se a guerra comercial não acalmar, a manufatura afunda mais e puxa o resto. Essa é diferença de eu quero ter equity ou não. Se eu achar que vai ocorrer o primeiro cenário, eu quero ter. Se eu vou pro segundo cenário, eu não quero ter.
Por que existe taxa de juros negativa no mundo e quão excepcional é isso?
Rodrigo: Tem questões estruturais e outras cíclicas. A estrutural é que o juro no mundo precisa estar muito mais baixo do que antes por três razões.
A primeira é o benefício das novas tecnologias — as empresas hoje utilizam muito menos capital. É só pensar quanto de capital que o Google usa versus quanto a GM utiliza. Há um excesso de oferta de capital que pressiona o juros para baixo.
O segundo ponto é a demografia: uma população mais velha poupa mais do que consome, o que também gera um excesso de capital.
O terceiro elemento é a globalização, que gera uma pressão deflacionária sobre os preços na medida que aumenta a produtividade. Essas três coisas basicamente colocam pressão para baixo na inflação e fazem com que você tenha menor crescimento e taxas de juros mais baixas.
Fora isso, tem uma questão de natureza cíclica: houve uma grande recessão e a saída dela está sendo muito lenta para padrões históricos. Continua tendo muito desemprego no mundo. Como isso não gerou inflação há — em teoria — espaço para os bancos centrais continuarem sendo bastante expansionistas. Mas aí se chegou num problema, porque o juro chegou a zero.
A “fronteira da arte” da política monetária dizia que do zero não dava para passar. Mas basicamente, nos últimos cinco anos, você testou esse elemento. Na Dinamarca, Japão, Suíça e Suécia, a taxa de juros está negativa.
Vocês enxergam isso como um evento passageiro ou veio pra ficar?
Mário: Acho que vai ficar por muito mais tempo. Nosso horizonte relevante de planejamento é com essas taxas de juros negativas.
Taxa de juros negativa por definição deveria quebrar os bancos?
Mário: Taxa de juros negativa é ruim, não é bom. Mas para os bancos, o pior é a curva de juros ficar flat [na horizontal].
Pega os bancos na Europa: eles estão no low do low do low em termos do seu valor de mercado. Olha o que aconteceu com a curva europeia nos últimos anos. Foi essa inversão da curva que causou isso. A inversão da curva que é mortal para os bancos.
Rodrigo: ‘Quebrar’ é meio forte. Quebra, em geral, acontece quando o banco faz maus empréstimos. O que ocorre hoje é que só consegue ter yield quem tem uma qualidade de crédito ruim. Quem é bom não tem yield mais. Isso gera um incentivo ruim e deteriora a qualidade do balanço, o que pode levar à quebra. Mas não é algo automático.
Posso interpretar então que o risco sistêmico global está aumentando com essa situação?
Mário: Acho que hoje é completamente diferente do que era em 2008. Risco sempre tem: sempre tem gente alavancada, que perde dinheiro. Mas acho que hoje existe uma rede de proteção ao famoso too big too fail que está presente de tal forma que hoje não traz mais risco para o sistema financeiro.
Você está falando dos stress tests?
Rodrigo: O trabalho grande que se fez de 2008 para cá, que bate no stress test, é o seguinte: todos os bancos por força de regulação são muito mais capitalizados hoje do que eram em 2008. Por isso que você faz os stress tests, vai lá e capitaliza. O que tem uma implicação para o equity. Quando você fala “o equity está no low” isso não significa que o banco está muito pior do ponto de vista de solidez. Significa que para carregar aquele nível de solidez a rentabilidade é muito mais baixa.
Se o cenário de recessão global ocorrer, como o Brasil deve reagir?
Mário: Não sei se você viu recentemente um tweet de um americano falando: “eu sou do tempo em que hambúrguer era de carne, canudo era de plástico e bond pagava juros.” [risos] Aí você pode adicionar, no caso do Brasil: “eu sou do tempo que quando tinha crise o Brasil subia o juros.”
Em 2008, o Brasil estava numa situação fiscal bem estável, uma boa situação de política monetária, e economia bombando. E a resposta foi pela primeira vez anticíclica.
Rodrigo: Em geral, as pessoas acham que o Brasil tem que subir a taxa de juros. Isso vem de um tempo onde o Brasil era devedor em dólar, e havia problemas de inflação e credibilidade do Banco Central. O que acontecia? Na hora que batia a crise, o dólar subia e a dívida aumentava. Então tinha que subir a taxa de juros para impedir que o real depreciasse. No mundo desenvolvido, o que acontece? Como tem inflação controlada, na hora que tem crise todo mundo corta a taxa. Em 2008 foi a primeira vez que o Brasil fez isso, o que contribuiu para aquela crise ser uma “marolinha”.
Hoje, o setor externo está ok, há uma política fiscal apertada, expectativa de inflação na meta e uma ociosidade grande. Existe uma chance grande de que a resposta do BC a uma deterioração do cenário internacional possa ser anticíclica como foi em 2008. Isso é importante porque quando as pessoas olham para o juros e fazem a projeção para cinco anos e falam que pode ser entre 5% e 5,5%… vai ser isso se o cenário global for uma aterrissagem suave. Mas se for para o cenário profundo, de recessão, é possível que a SELIC vá abaixo de 5%.
Mário: É isso que justifica nossa posição doada ainda em reais. Apesar de ainda existir prêmio na curva, se for pouso suave, provavelmente não é do Brasil que vai vir o nosso retorno do segundo semestre, vai vir do México. Agora, se não for um pouso suave e o Brasil der uma resposta anticíclica, o retorno pode vir daqui.