O mercado sempre especulou sobre o interesse da Kraft Heinz no negócio de snacks da Pepsico, que responde por 50% do faturamento e 60% do lucro da empresa e é dono de marcas como Quaker, Lay’s, Cheetos e Doritos.  

No ano passado, um analista já havia imaginado um cenário: a Anheuser-Busch InBev compraria a Pepsico, e em seguida revenderia a divisão de snacks da empresa para a Kraft.

Mas agora, a Sanford C. Bernstein — uma respeitada casa de pesquisa independente nos EUA — concluiu que a Kraft poderia engolir todo o negócio da Pepsi (incluindo bebidas) e ainda assim capturar sinergias relevantes.

Num relatório publicado hoje, a Bernstein diz que a Kraft (que vale US$ 109 bilhões na Nasdaq) poderia pagar US$ 200 bilhões pela Pepsico (um prêmio de 20% sobre o valor de mercado) e gerar sinergias de 6% do faturamento, o que aumentaria o lucro por ação da empresa combinada em 23%.

 
Neste cenário, a Kraft se alavancaria em até 5 vezes, tomando cerca de US$ 58 bilhões em dívida e chamando um aumento de capital de US$ 142 bilhões. A 3G e a Berkshire Hathaway teriam que injetar cerca de US$ 70 bilhões para não serem diluídas na nova empresa. Números gigantescos, mas factíveis.
 
E, depois do revés com o CEO da Unilever, Paul Polman, a 3G talvez dê mais sorte com a CEO da Pepsico.
 
“Ainda que Indra Nooyi se oponha a uma cisão da empresa em duas, ela pode estar aberta a uma aquisição da companhia toda, dado seu timing como CEO e foco na criação de valor para os acionistas,” diz o time da Bernstein, sublinhando que se trata apenas de uma tese e que não há evidência de que algo esteja sendo negociado.

Para a equipe da Bernstein, há três fatores que tornam a transação provável:

1. A PepsiCo ainda cresce – e tem potencial para mais

A PepsiCo não é um negócio estagnado e a receita cresce – o que é música para os ouvidos da Kraft, que vem andando de lado nos últimos trimestres.

Na América do Norte, onde é líder de mercado, o negócio de snacks aumentou suas margens em sete dos últimos oito anos. “A onda saudável ainda não atingiu essa categoria na mesma extensão que outras áreas da indústria de alimentos”, diz a equipe da Bernstein.

Mesmo no negócio de refrigerantes, que vem perdendo o gás dos últimos anos, aumento de preços e mudança para embalagens menores e mais rentáveis vêm garantindo um crescimento modesto das receitas, diz o banco. Há ainda, um grande potencial para crescer em bebidas não gaseificadas (recentemente, a PepsiCo fez uma oferta pela Vita Coco, fabricante de água de coco em caixinha líder nos Estados Unidos).

2. Espaço para cortar

A Pepsico já vem cortando custos: desde 2012, a economia é de US$ 1 bilhão ao ano. Mas há espaço para muito mais. As despesas gerais e administrativas da Pepsi consomem 31,7% das receitas, comparado a uma média de 27,7% em 22 empresas de consumo listadas nos Estados Unidos e aos 11,9% da Kraft Heinz (a mais enxuta do setor neste quesito).

A Bernstein estima que, num curto espaço de tempo, a cartilha 3G pode cortar essa linha de custo pela metade – sem cortar na carne.

“[A 3G] gasta menos que seus concorrentes em custos que envolvem funções administrativas de suporte, investimentos em marketing com baixo retorno e qualquer coisa que não se traduza em vendas rentáveis. Contudo, gasta mais que a concorrência em investimentos em marketing com bom retorno, análise de hábito dos consumidores, sistemas de tecnologia da informação e, acima de tudo, boas pessoas”, diz o time de análise.

3. Oportunidade de criação de valor

Se seguir o modelo de terceirização de ativos não-core que vem usando em seus outros negócios, a 3G terá ainda mais valor a capturar na Pepsico.

Um movimento lógico seria refranquear o negócio de engarrafamento e distribuição na América do Norte, que voltou ao controle integral da companhia em 2010.

“Um sistema de franquias, como o adotado pela Coca, move-se de forma mais rápida, a estrutura de ativos é mais leve em termos de margens, maiores retornos e menos necessidade de capital”, diz o relatório.

Outra possibilidade seria terceirizar a cadeia de transporte do segmento de snacks na América do Norte. A Pepsico manteria o controle das relações entre os representantes de vendas e os gerentes de lojas. Mas, ao separar as funções de venda e logística (que normalmente são combinadas), poderia deixar o fardo mais pesado para um player especializado.

“É claro que a Pepsi poderia fazer isso sozinha, mas temos ouvido que há uma grande resistência interna a essas mudanças,” diz a Bernstein. “Portanto, acreditamos que um novo dono poderia destravar valor, e esses movimentos são consistentes com as ações tomadas pelo 3G e suas controladas.”

 
 
O cenário imaginado pela Bernstein é mais realista do que os cenários anteriores, que previam a compra da Pepsico por uma das empresas da 3G (por exemplo a ABI) e a venda de parte do negócio para outra empresa do grupo (a Kraft).
 
“Comprar e depois dividir uma empresa não é trivial,” diz um gestor que acompanha as três empresas. “Alguém tem que fazer o cheque, e depois como é que você transfere os ativos de uma para outra? A que valor?  Dá para fazer isto de forma justa e que não afete os acionistas das empresas, mas está longe de ser trivial.”
 
Por outro lado, imaginar a Kraft Heinz dona de uma operação de bebidas é, se não impossível, pelo menos surpreendente, já que a logística de distribuição de refrigerantes e snacks é bem diferente.
 
“É mais fácil fazer a transação debaixo de uma empresa só do que manter a operação debaixo de uma empresa apenas. Isso é o que existe hoje, e o mercado não gosta muito. A verdade é que não existem muitas empresas que combinem ambos.”