RIO DE JANEIRO — Em 1949, Roberto Burle Marx comprou o Sítio Santo Antônio da Bica, um espaço de 400 mil metros quadrados na zona oeste desta cidade, onde começou a cultivar espécies de flores e árvores para seu paisagismo.

Na semana passada, a Unesco declarou o local — mais tarde renomeado Sítio Roberto Burle Marx — um Patrimônio Mundial Cultural, reconhecendo em sua mescla de cores e infinitos tons de verde um valor universal e excepcional para a humanidade. 

Para quem visita o Rio, chegar ao sítio Burle Marx é quase uma outra viagem.  A Barra de Guaratiba fica a 40 km da zona sul do Rio de Janeiro — mas a visita pode (e deve) ser complementada por um almoço num dos diversos restaurantes da região, a maioria especializados em frutos do mar. Na sexta-feira, a Prefeitura reforçou a sinalização para ajudar o turista a chegar ao local.

11605 f361c19a 9ae7 875f 3744 4c55b2fecb9fFoi neste sítio que Burle Marx — um ambientalista ‘avant la lettre’ — criou seu conceito de jardim. Entendeu os ecossistemas, olhou à volta, valorizou a Mata Atlântica, a restinga, os manguezais. Viajou em busca de plantas e identificou espécies, uma das quais leva o seu nome: a Heliconia burle-marxii.

O sítio é o maior registro da memória desse multiartista, pintor, escultor, tapeceiro, ceramista e autor de mais de 3.000 projetos em 20 países. 

Burle Marx teve como parceiros os modernos Lucio Costa e Oscar Niemeyer, mas tinha voo livre e colocou sua digital em tudo que criou. 

Os jardins do Aterro do Flamengo, por exemplo, são uma de suas obras, assim como os jardins suspensos do Palácio Capanema, também no Rio, e um dos pulmões mais potentes de São Paulo: o parque do Ibirapuera. 

Brasília também tem a marca Burle Marx no paisagismo dos palácios da Alvorada e do Itamaraty.

Nascido em São Paulo, em 1909, Burle Marx viveu no Recife e no Rio de Janeiro. Com 5 anos de idade, já gostava de cuidar das plantas do jardim na casa da família no Rio.
Em 1949, comprou o primeiro terreno que se tornaria o passo inaugural para seu espaço sagrado, lugar de experimentação e pesquisa.

Em companhia de botânicos, realizou inúmeras viagens por diversas regiões do país em busca de plantas. E foi mesclando o seu jardim com a flora nativa da região.

Aquele espaço se tornaria uma obsessão e um permanente desafio. Como manter e preservar tudo aquilo? Em 1985, doou o sítio ao governo federal. Tudo se tornaria patrimônio público, passando à guarda para o IPHAN, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Burle Marx se manteve ali, guardião maior da sua criação, até a sua morte em 1994. Além do acervo botânico, o espaço abriga pinturas, gravuras, cerâmicas, murais, tapeçarias, obras de autoria tanto de Burle Marx como de outros artistas.

O caminho até o título de Patrimônio Mundial Cultural teve início em 2015, quando o IPHAN decidiu incluir o sítio como candidato. O dossiê da candidatura tinha mais de 600 páginas, disse ao Brazil Journal a diretora do sítio, Claudia Storino, cuja perseverança foi fundamental para a conquista do título.

Entre 2018 e 2020, o BNDES fez um aporte de R$ 5 milhões para garantir melhorias no local, incluindo a formação de mão de obra junto às comunidades do entorno.

Em 2019, Isabela Ono, filha do parceiro de Burle Marx por mais de 30 anos, Haruyoshi Ono, fundou o Instituto Burle Marx, garantindo a guarda do acervo com mais de 120 mil desenhos, fotos, projetos e maquetes do artista. Em parceria com a Brazil Foundation, o Instituto criou um fundo para se manter.

A partir de agora, a Unesco deve ser mantida informada sobre todas as condições de gestão e de conservação do local.

Quando Burle Marx decidiu doar o sítio ao IPHAN, havia um desejo imperativo: que o espaço se tornasse um centro efetivo de pesquisa científica. Para isso, o escritório Prochnik Arquitetura fez um projeto para a construção de um herbário e de um laboratório de fitotecnia e de anatomia vegetal. Caso essa obra se concretize, a um custo estimado de R$ 20 milhões, o sítio passará a ter também um banco de dados para estudos e pesquisas.

Todas as coisas materiais existem no máximo em três dimensões, mas Burle Marx dizia que um jardim possuía uma quarta:  a passagem do tempo.

Uma visita ao sítio comprova essa verdade: hoje, 3.500 espécies vicejam ali, e as árvores frondosas acolhem as mais jovens, ainda em crescimento.

COMO VISITAR

Visitas guiadas ao sítio devem ser pré-agendadas pelo site https://sitiorobertoburlemarx.org.br.

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