NEW YORK – No dia em que completou 32 anos, no começo do mês, o chef capixaba Franco Sampogna ganhou um beijo da esposa francesa, outro da filha de um ano e nove meses, e um presentinho a mais: uma estrela Michelin para o Frevo, seu restaurante em Manhattan com o sócio português Bernardo Silva.

Com menos de quatro anos de idade, o Frevo foi um dos 19 restaurantes de Nova York que ganharam pelo menos uma estrela Michelin este ano. No dia seguinte ao anúncio, o chef francês Alain Ducasse, com quem Sampogna trabalhou em Paris, apareceu de surpresa na cozinha e assinou um quadro onde convidados deixam seus recados.

“Ici c’est top,” escreveu o guru.

Franco SampognaMas aqui em Nova York, as estrelas não caem do céu: o sucesso é ainda mais tricky que na França.

“O público francês frequenta gastronomia de boa qualidade em qualquer lugar no país. Mesmo em um bairro desconhecido, alguém levanta quatro paredes, cozinha bem e lota o restaurante. Em Nova York, não é assim”, o chef disse ao Brazil Journal. “Aqui é preciso ter um conceito mais forte, uma localização legal e conforto. Os clientes gostam de atenção. A gente quis bater em todas essas teclas.”

O Frevo fica na rua 8, no West Village, dentro de uma galeria de artes. A porta secreta, escondida atrás de um quadro, leva os visitantes para um ambiente sem janelas, desenhado por dinamarqueses, onde o chef prepara o jantar para 18 pessoas que sentam em volta de um balcão de frente para ele e seu time (hoje, oito cozinheiros). Há também uma mesa de seis lugares.

Sampogna explica aos clientes que Frevo vem do verbo “ferver”, que batizou a dança folclórica. A cada três meses ele cria um novo menu degustação de oito pratos baseado em simplicidade e sustentabilidade – além de serem visualmente estonteantes.

Não se pode dizer que o restaurante é brasileiro: dado o time de cozinheiros internacionais, há pitadas de todas as partes do mundo. “Agora, estamos testando uma receita que cozinha o peixe dentro do tucupi, ou farinha de mandioca. Também já tivemos açaí. Mas o uso de qualquer ingrediente tem que fazer sentido. Não acredito em usar só por usar.”

Um jantar custa US$ 186 por pessoa; quem quiser incluir vinhos, escolhidos a dedo pelo sommelier Quentin Vauléon, dobra o investimento. Sampogna prepara dois jantares por noite, apenas sob reservas. Como sabe o que será servido, ele cozinha sem desperdício – o chamado zero waste.

O chef admite que há algo de teatral em cozinhar em frente à clientela: o time usa luvas para tocar na carne e coloca as colheres em água fervente depois de usá-las – algo impensável para quem cozinha nos bastidores.

Em setembro de 2019, o crítico Pete Wells, do New York Timeso mesmo que dois anos depois detonaria o Eleven Madison – deu duas estrelas (de quatro) ao Frevo, além do carimbo “Critic’s Pick”.

O texto de Wells foi quase uma carta de amor: disse que o ambiente recluso ilustra o que Nova York se tornou na última década (lugares mais calmos e discretos estão em alta), que os pratos “têm uma sensibilidade refinada,” que o linguado é “inesquecível”, e que “os prazeres deste paraíso particular são reais.”

Dez meses depois da inauguração, a covid fez o restaurante fechar as portas, e Nova York se tornou uma cidade fantasma. “Tomamos uma surra, como todo mundo,” lembra Sampogna.

“Não tinha business, não tinha dinheiro entrando. Graças a Deus, a crítica positiva do New York Times fez o restaurante lotar constantemente, o que nos garantiu uma reserva financeira. Com isso, pudemos sobreviver por um tempinho.”

Durante o lockdown, a dupla teve que demitir quase toda a equipe. “O governo americano só ajudou financeiramente os cidadãos americanos; quem tinha visto não recebeu nada. Negociamos alguns meses para pagar 50% do aluguel, usamos todo o nosso o depósito, tiramos dinheiro da conta, fizemos o possível para sobreviver,” conta o chef.

O Frevo reabriu aos poucos em 2021, seguindo as rígidas normas sanitárias: 25% de ocupação, crescendo para 50%, e depois 75%. Instalaram divisórias de plexiglass e toda a parafernália de higienização. Veio a segunda onda, e o Frevo fechou novamente. Ano passado, os sócios não ganharam um tostão.

Neto de italianos, Sampogna nasceu em Vitória. Durante a infância, sua família mudou-se várias vezes até se estabelecer em Petrópolis. Seu pai morreu de infarto aos 43; Sampogna tinha 14 anos.

Três anos mais tarde, o futuro chef decidiu passar um tempo com uma tia que vivia no sul da França. Pensou em ser advogado, mas a tia avisou que sem fluência em francês a chance de sucesso era remota. Melhor optar por uma carreira “manual”.

Foi assim que Sampogna entrou na Greta, uma rede de escolas públicas de culinária – depois de ser rejeitado três vezes por causa de seu francês capenga. Estudou por um ano, estagiou, trabalhou de graça, e se apaixonou pela cozinha.

Nesta época, fez amizade com Bernardo, que cursava hotelaria na França. Bernardo um dia lhe deu um guia Michelin de Nova York e disse: “Um dia a gente vai estar aqui.” (O guia hoje repousa numa prateleira do Frevo.)

Com 20 anos, Sampogna mudou-se para Paris. Trabalhou com Guy Savoy, dono de três estrelas Michelin, e em seguida no time de Alain Ducasse no Plaza Athénée.

“Numa cozinha na França, a primeira coisa que você aprende é a limpar. Ninguém chega cozinhando, a gente não podia nem tocar em uma panela. Depois de muito tempo limpando, aprende-se a cozinhar. E depois, cozinhar bem e rápido,” diz ele.

Em 2015, Sampogna ficou em segundo lugar no San Pellegrino Young Chef Challenge, competindo com nove chefs franceses que chegaram na short list de mais de três mil inscritos. Tinha 24 anos. No ano seguinte, tornou-se chef de um iate particular, viajando pela Europa, Caribe e Estados Unidos.

Nessa aventura, conheceu a dona do Jema, um restaurante em Long Island. Sampogna levou a esposa para os EUA e chamou Bernardo. Tendo o capixaba como chef, o Jema foi de duas para quatro estrelas no ranking da revista da cidade – e incomodou a concorrência.

“Arranharam a lataria do nosso carro e deixaram cartas com ameaças. Passamos a andar com segurança no fim de semana. Estávamos em um local que não era nosso, não nascemos lá. Foi complicado.”

Para abrir o Frevo, a dupla passou quase um ano buscando investidores. “Levantamos uma soma absurdamente baixa. Quando abrimos, com apenas dois cozinheiros, mal tínhamos luz.”

Mas agora, a luz do Frevo está brilhando, e o sucesso faz o chef lembrar a última conversa com seu avô paterno, que faleceu há alguns anos.

“Ele me disse: ‘Você é capixaba. Quando você for para o exterior, tente dar uma imagem boa ao Brasil. Mostre que a gente também sabe fazer bem as coisas’.”