A temporada de moda acabou esta semana em Paris, mas nas plataformas de streaming ela segue a todo vapor. 

Duas minisséries – ambientadas nos salões parisienses da haute couture e protagonizadas por estilistas que fizeram história – estão nos cabides prontas, e merecem ser maratonadas: Cristobal Balenciaga, no Star Plus, e The New Look, na Apple TV. 

A primeira é uma produção espanhola, com roteiro de Aitor Arregi e Jon Garaño. A segunda é americana, criada por Todd A. Kessler, que tem no currículo como roteirista/diretor os sucessos Família Soprano, Damages e Bloodline

Ambas valem muito a visita. 

Enredos e personagens se sobrepõem nas minisséries, já que a ambientação e o período são os mesmos: a moda francesa no final da década de 1930, durante a Segunda Guerra e no pós-guerra. 

A narrativa em flashback também se repete. Em The New Look, a partir de uma palestra de Christian Dior (1905-1957) para estudantes da Sorbonne, dois anos antes de sua morte. Na outra, Cristobal Balenciaga (1895-1972), já velho e aposentado, quebra o expediente de jamais falar com a mídia e concede uma entrevista a uma jornalista britânica. 

E eis que, tanto na história de um quanto na do outro, ergue-se a sombra espaçosa de Coco Chanel (1883-1971). 

Ela é a melhor amiga do estilista espanhol e tem no conterrâneo francês seu maior rival. Interpretada por Anouk Grinberg na série espanhola, Chanel se destaca como a amiga que tem momentos rancorosos e pouco confiáveis. Já na série americana, a estrelíssima francesa Juliette Binoche, em caracterização perfeita, faz uma mademoiselle Chanel sexy, tirana, impiedosa, traiçoeira e desesperada. Ela teme perder sua galinha dos ovos de ouro, o icônico Chanel No. 5, para seus sócios, os irmãos Wertheimer, e por isso arrisca um duvidoso e perigoso relacionamento com os nazistas durante a Ocupação. 

É uma personagem fascinante da qual não se consegue tirar os olhos. Chanel é tão protagonista quanto Dior, e o embate de seda pura e alfinetadas entre os dois está no centro do jogo, apesar de eles apenas se esbarrarem ao longo dos episódios. 

O ator Alberto San Juan constrói seu Cristobal Balenciaga com rigor e austeridade. Nada está fora de lugar, assim como nas criações do estilista, considerado “o arquiteto das roupas”. É célebre o vestido de noiva com uma única costura, que ele criou nos anos 1960. 

Em The New Look, o inglês Mendelsohn, mais alto e mais bonito que o Dior da vida real, é um misto de talento, delicadeza e coragem, sobretudo no relacionamento com a irmã Catherine (Maisie Williams, a Arya Stark, de Game of Thrones), que é presa, torturada e enviada a um campo de concentração por fazer parte da Resistência.     

Cristobal Balenciaga, com seis episódios desde janeiro na programação, é mais modesta em valores de produção – nenhuma grande estrela no elenco –  mas não decepciona em roteiro, atuações e, claro, no figurino (assinado por Bina Daigeler, que trabalhou com Almodóvar, e Pepo Ruiz Dorado, que vestiu Les Miserables).  

The New Look, sobre a trajetória de Dior, é pura haute couture. Tem elenco internacional, fotografia deslumbrante, locações em Paris e 10 episódios — o sétimo estreia nesta quarta-feira, 13 de março. 

Os figurinos ficaram a cargo da francesa Karen Mueller Serrau, mostrando que entende do riscado. Um porém: atores ingleses afetando um sotaque francês. (Miss Binoche vai na direção contrária e desfila um inglês irrepreensível.) 

Mas por que os nomes da moda são importantes? O mundo europeu civilizado foi reduzido a pó durante a Guerra. Com o fim do conflito, a França derrotada e libertada dos alemães decidiu dar o troco. Vida noturna, alta gastronomia e moda foram suas armas para restabelecer a alegria de viver de uma sociedade que não aguentava mais tratar as feridas e contar seus mortos. 

Em 1947, Dior inaugurou sua maison de alta costura  com um desfile que celebrava o luxo e a opulência desaparecidos durante oito longos anos. 

A editora de moda americana, Carmel Snow (Glenn Close, na série da Apple TV) batizou a ousadia de New Look, a nova aparência que ditaria as regras do vestuário feminino na próxima década. 

Balenciaga tinha prestígio vestindo a nobreza e as muito ricas, mas faltava-lhe o sucesso e a influência que ganhou quando passou, na década de 1950 – tida como a era de ouro da alta costura — a praticar um luxo unindo elegância, praticidade e vanguarda.

Chanel havia fechado sua casa de moda em 1939. Quando viu o New Look, achou que estava tudo errado e antigo. Voltou aos negócios com 70 anos, em 1954. A coleção de estreia foi esnobada pelos franceses – por conta das estripulias escusas de Chanel durante a Ocupação – mas muito festejada pelos americanos. 

Ela ficou mais famosa e mais rica do que nunca – a verdadeira rainha da moda até sua morte, em janeiro de 1971. Não à toa, essas três marcas continuam vivas e vibrantes em pleno século 21. 

As produções de biografias de grandes estilistas continuarão este ano com Kaiser Karl, uma minissérie sobre o estilista Karl Lagerfeld, interpretado por Daniel Brühl, de filmes como Bastardos Inglórios e Rush: No Limite da Velocidade. Morto em 2019, 

Lagerfeld foi o homem por trás das marcas Chloé, Fendi e a que levava seu nome. Porém, fez fama e fortuna mesmo ao ressuscitar a maison Chanel em 1983.  

É impossível fugir de Mademoiselle.