A indicação de Gabriel Galípolo para a presidência do Banco Central reduz uma incerteza que pairava sobre a economia e marca a ascensão de um nome que conta com a confiança do Presidente Lula e tem trabalhado diligentemente para estabelecer sua credibilidade junto ao mercado.
Galípolo ocupa desde o ano passado a diretoria de política monetária do BC e tem mantido um discurso alinhado com Roberto Campos Neto.
Nas últimas semanas, com o mercado prestando cada vez mais atenção a cada fala sua, Galípolo produziu uma surpreendente inversão: fez o papel de hawk, deixando RCN como dove.
Tudo jogo combinado com o próprio RCN, dizem fontes próximas aos dois, com o objetivo comum de tranquilizar o mercado cada vez que a volatilidade aumentava.
Na semana passada, falando em Belo Horizonte, Galípolo lembrou que a meta é de 3%, com bandas que vão de 1,5% a 4,5%, mas que essas bandas não visam aliviar o esforço da autoridade monetária.
“As bandas existem para amortecer eventuais choques temporários, como eventos climáticos ou um choque de oferta. O BC tem que perseguir uma meta de 3% e as expectativas hoje se encontram acima dos 3%,” disse ele.
No dia 8, também em Belo Horizonte, Galípolo disse que todos os diretores estão dispostos a fazer “aquilo que for necessário para perseguir a meta.”
O futuro presidente também disse estar atento para que a comunicação do BC não gere volatilidade.
“Que pelo menos o Banco Central não seja uma fonte adicional de volatilidade e que o mercado, os agentes e a sociedade possam entender o que o Banco Central está vendo, e tentar não ser o Banco Central uma fonte de surpresa,” disse.
Desde que foi indicado para a diretoria no BC, Galipolo tem mantido um contato fluido com Lula, frequentemente explicando ao Presidente as reações do mercado a suas falas e os fatores externos que frequentemente atingem o câmbio.
De uns tempos para cá, as conversas parecem estar surtindo efeito, com Lula atenuando seu discurso.
“Quando tem que aumentar os juros, tem que aumentar,” o Presidente disse numa entrevista à Rádio Gaúcha há 12 dias. “Na hora que tiver que reduzir a taxa de juros, ele vai ter que ter coragem de dizer que vai reduzir. Na hora que precisar aumentar, ele vai ter que ter a mesma coragem de dizer que vai aumentar.”
Lula disse ainda que em “todo momento que o presidente da República se meteu a ser economista não deu certo este País.”
Apesar de toda a construção de goodwill, o novo presidente do BC terá que comprovar na prática que exercerá o cargo com autonomia, como foi o caso de Henrique Meirelles no primeiro Governo Lula.
Ao contrário de Meirelles, Galípolo não é um estranho no ninho. Não é petista de carteirinha nem foi fotografado votando com camiseta vermelha, mas é próximo a Fernando Haddad e já foi chamado de ‘menino de ouro’ por Lula.
O mercado ainda carrega o trauma da desancoragem das expectativas ocorrida na presidência de Alexandre Tombini, no Governo Dilma – e muitos gestores e tesoureiros ainda precisam ser convencidos de que a próxima gestão do BC vai de fato jogar duro para trazer a inflação esperada para a meta de 3%.
O receio ainda é que o Copom – que além do novo Presidente terá em breve três novos diretores indicados por Lula – use a latitude do regime de metas para acomodar os efeitos inflacionários da cavalar expansão fiscal dos últimos meses (alta real de 11% nos gastos no primeiro semestre).
As incertezas com relação à atuação futura de Galípolo, contudo, derivam de sua trajetória anterior ao BC.
Galípolo quase sempre esteve associado a economistas ‘desenvolvimentistas’ e críticos da ortodoxia fiscal e monetária. Publicou três livros e uma série de artigos em parceria com Luiz Gonzaga Belluzzo.
O próximo presidente do BC se formou em economia na PUC-SP, onde também fez seu mestrado. É uma escola tradicionalmente aberta a ideias heterodoxas e não é uma referência em estudos mainstream de política monetária, como a PUC-Rio.
Trabalhou com PPPs quando ocupou diretorias em secretarias do Governo de São Paulo na gestão de José Serra, em 2007 e 2008, e depois abriu sua consultoria. Em 2017, assumiu como CEO do banco Fator, posição que ocupou até 2021.
Em 2023, assumiu a secretaria-executiva do Ministério da Fazenda, a convite de Haddad; ali já parecia evidente que seu destino seria o BC.
O economista-chefe de uma gestora lembrou que a economia continua aquecida, o mercado de trabalho está apertado, e os gastos públicos seguem em alta.
“Como esses fatores combinam com um BC que já está com a credibilidade sendo questionada, vendo as expectativas se distanciar da meta? Como se resolve essa equação? Entregando um aperto monetário que de fato seja capaz de ancorar as expectativas,” afirmou.
No boletim Focus divulgado pelo BC nesta semana, a expectativa de inflação para 2024 subiu a 4,25%. As estimativas estão em 3,93% para 2025 e 3,60% para 2026.
Na curva dos juros, a inflação aparece ainda mais acima da meta.
“As inflações implícitas subiram muito, com uma subida até 2026, isso gera um grande desconforto para o Banco Central,” Roberto Campos Neto disse hoje durante um evento.
As taxas implícitas estão em 4,46% para 2024, em 4,73% para 2025 e em 4,95% para 2026.
Portanto, quem coloca dinheiro nas apostas de mercado espera uma inflação futura ao redor de 5% – bem acima da meta.
Caberá a Galípolo usar a confiança que construiu junto ao Presidente Lula para navegar este cenário incerto, fazendo o certo – doa a quem doer.