Com boa parte da população confinada, a explosão no consumo de dados de internet está jogando os holofotes sobre um problema antigo do Brasil: em muitas regiões, há um déficit gigantesco de infraestrutura de telecom. 

Mesmo em São Paulo, a situação é complexa. 

A cidade tem mais de 2 mil usuários por antena (as chamadas estações rádio-base, ou ERBs), sendo que o número ideal para a rede funcionar bem seria de 1,5 mil usuários por antena, segundo recomendação da União Internacional da Telecomunicação. Em zonas periféricas, como M’Boi Mirim, Capão Redondo e Parelheiros, a situação é ainda mais dramática, com uma proporção de até 6 mil usuários por antena.

Além de ser um problema em momentos de alta demanda, como o atual, a falta de antenas também inviabiliza a implementação do 5G no Brasil. 

Nesta conversa com o Brazil Journal, Luciano Stutz, presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura para as Telecomunicações, detalha a situação do setor e os obstáculos impostos pelo Poder Público para o avanço da infraestrutura no País. 

Qual o impacto desta crise na infraestrutura de telecom?

Neste momento, as operadoras ainda não estão demandando a construção de novas redes, antenas. Ainda não há um colapso, uma saturação da rede… Mas já teve um aumento significativo do consumo de dados e das reclamações de consumidores na Anatel pela qualidade do serviços. 

Nas duas primeiras semanas da crise, houve um pico muito grande, o tráfego de internet subiu 25% no Brasil na média, mas teve cidade em que subiu até 40%. Isso gera uma preocupação com as redes, porque se essa quarentena se estender um pouco mais, teremos uma extensão desse pico por mais horas durante o dia. É um comportamento novo da rede que as operadoras estão olhando com preocupação. 

No final da semana passada, o pico de tráfego deu uma recuada pequena, de uns 3, 4 pontos percentuais. Mas ainda é um volume de tráfego muito maior do que antes da crise. Outra questão é que antigamente esse pico era batido às 19h nas residências. Agora, ele é distribuído durante todo o dia, porque as pessoas estão consumindo streaming, fazendo videoconferência o dia todo. É tráfego pesado o dia inteiro, o que faz com que os equipamentos estejam sendo utilizados no topo da sua capacidade o dia todo. 

A demanda por manutenção das redes aumentou?

Houve sim um aumento nos pedidos de manutenção das antenas, que é um reflexo direto dessa maior utilização. E apesar de não termos tido nessas primeiras semanas uma demanda pela construção de novas torres, entendemos que se esse comportamento [do consumidor] se mantiver, as operadoras vão precisar sim aumentar a capacidade. 

Já temos, desde antes da crise, um monte de pedidos de construção de torres que estão retidos pela prefeitura em áreas periféricas de São Paulo e onde as pessoas já estão sofrendo para usar as redes. Essas áreas de mais baixa renda — como Parelheiros, M’Boi Mirim, Capão Redondo — já deviam ter aumentado a capacidade bem antes da crise e agora com certeza essas novas torres estão fazendo falta. 

Nos últimos dois anos, as operadoras e as empresas de infraestrutura protocolaram mais de 1,8 mil pedidos de novas torres em São Paulo, e apenas 90 foram liberados. Parte significativa dessas torres vetadas está nessas regiões da periferia. 

Por que a prefeitura tem vetado a construção de novas torres?

Tem dois fatores principais. O primeiro é que a lei de São Paulo é muito antiquada e restritiva. A lei atual é de 2004, uma época em que as antenas penduradas no alto das torres só entravam nas ruas de caminhão. Tem um dispositivo da lei, por exemplo, que fala que uma torre só pode ser colocada num terreno se ele tiver acesso a uma rua que tenha no mínimo 10 metros de largura. Se você for olhar as comunidades periféricas de São Paulo, achar uma rua que tenha mais de 10 metros de largura é quase impossível. Essas regras estão ultrapassadas. Tem antena um pouco maior que uma caixa de sapato hoje… As torres ainda tem 30, 40 metros de altura, mas as antenas hoje são muito menores do que há 15 anos.

Por ser de 2004, a lei também não diferencia se você vai fazer uma torre de 30 metros ou o que chamamos de ‘rooftop’ (aquele equipamento de 3 metros de altura no topo de um prédio). Como não diferencia, essas restrições se aplicam tanto para torres grandes quanto para rooftops e ‘street level’ (as antenas aplicadas em postes). A lei restringe a aplicação das novas tecnologias. 

Já teve alguma prefeitura que flexibilizou essas questões?

Em Campinas o prefeito fez a aprovação de um decreto que permite a instalação emergencial de antenas e dá um prazo de um ano pós-crise para a regularização dessa instalação. Além disso, Campinas está votando uma nova lei mais moderna ainda e bem em linha com o projeto de lei padrão desenvolvido pela Anatel. Consideramos o pacote de Campinas ótimo para tratar essa crise e principalmente para se preparar para o 5G. 

O 5G vai demandar uma infraestrutura muito mais robusta?

A implementação do 5G vai demandar 3-4 vezes mais antenas do que temos hoje para o 4G. Em relação ao 2G — porque temos cidades no Brasil que ainda não estão nem com o 4G totalmente implantado — é 15 vezes mais antenas. E em relação ao 3G, 8 vezes mais antenas. A estimativa é de um investimento de R$ 6 bilhões até 2023 para adaptar essa infraestrutura. O investimento não é tão alto — considerando que ele vai quadruplicar a infra — porque as antenas são diferentes. São antenas mais avançadas, de menor porte, e que são instaladas no topo de prédios, em postes. Pela questão da latência (tem que ter uma troca de dados muito mais rápida), vamos precisar de mais granularidade, mas de equipamentos menores.

A pandemia vai atrasar a implantação do 5G no Brasil?

O 5G depende também de uma economia que o absorva, não adianta falar em 5G sem mercado. Não é uma migração, é a implantação de uma tecnologia totalmente revolucionária e nova. 

Ele não é uma evolução do 4G, e nem tem uma relação com o 4G, como o 4G teve com o 3G. O 4G dava mais velocidade. Já o 5G tem menos latência e permite tecnologias completamente novas como carro autônomo, monitoramento de frota, indústria 4.0. Muda tudo, não é simplesmente aumentar a velocidade. 

Então, essa crise vai atrasar sim a implementação do 5G. Não apenas pelo cronograma de testes que estavam sendo feitos e que foram adiados pela Anatel, quanto pelo próprio impacto econômico. O plano de negócios só fica de pé se o usuário tiver condições de comprar um terminal 5G lá na frente. Se a economia estiver mal, não vai ter o usuário para comprar o 5G, e ninguém vai lançar uma rede que não tem usuário.