Willy Wonka deve estar se remexendo no túmulo: a Nestlé anunciou uma inovação que pode revolucionar a forma de fazer chocolates e ao mesmo tempo ajudar na luta contra a obesidade e o diabetes.
A companhia suíça — a fantástica fábrica de chocolate que produz o Alpino, Chokito, Crunch, Galak, Suflair, KitKat, Lollo e Prestígio, além do Nescau, do Nespresso e do Leite Moça — disse que encontrou uma forma de reduzir em até 40% o açúcar em seu chocolate, e que vai introduzir a nova tecnologia sem que os consumidores notem a mudança no sabor, que será ‘mais natural’.
A patente está aguardando registro, mas o ‘chief technology officer’ da Nestlé disse à Bloomberg que a empresa desenvolveu um ‘processo’ para ‘alterar a estrutura do açúcar’ de forma a fazê-lo mais doce em quantidades menores.
O truque é o seguinte: o ser humano não sente o sabor de todo o açúcar que consome (apenas de uma parte) porque os cristais não se dissolvem completamente enquanto o chocolate está na boca. A dissolução completa só acontece depois que o açúcar já foi engolido.
Assim, a Nestlé está criando cristais ‘ocos’, que dissolvem mais rápido e estimulam as papilas gustativas instantaneamente.
A Nestlé vai começar a vender produtos feitos com este processo em 2018, mas pretende fazê-lo gradualmente para que os consumidores não notem diferença no sabor. O cientista-chefe da Nestlé comparou este ‘phase in’ à sua experiência pessoal de cortar o açúcar do café: com uma redução gradual a cada dia, depois de três meses ele já tomava o café puro.
A Nestlé trabalha em produtos mais saudáveis há mais de uma década, e já conseguiu um avanço similar na fabricação de seu sorvete Dreyer’s, que agora contém metade da gordura e 33% menos calorias do que tinha antes.
O anúncio do ‘breakthrough’ no açúcar vem num momento em que a ação da Nestlé está sofrendo uma correção e os grafistas dizem que está sobrevendida (veja gráfico ao final).
De agosto para cá, o ADR da empresa negociado em Nova York saiu de US$ 81 para US$ 67. A queda tem a ver com o enfraquecimento de várias moedas em relação ao franco suíço, que, além de ser a moeda em que a Nestlé reporta seus resultados, é uma reserva de valor num mundo cada vez mais incerto.
Em que pese sua prateleira de marcas imbatíveis, hoje a Nestlé tem um problema fundamental: a venda de doces e chocolates tem caído — num ano sim, no outro também — desde 2012. Nos EUA, o maior mercado de chocolates do mundo, o consumo encolhe uma média de 3% ao ano nos últimos dez anos, depois de ter batido no teto em 2005.
Para piorar, cidades, Estados e países estão promulgando leis para aumentar os impostos sobre refrigerantes, uma forma de inibir o consumo de açúcar e os malefícios à saúde. (O ativismo regulatório ainda não chegou ao chocolate, mas parece ser questão de tempo.)
Mas a Nestlé está tentando se reinventar — e ousando mais do que o mercado parece reconhecer. Seu objetivo autodeclarado é se tornar uma empresa de ‘nutrição, saúde e bem-estar’. No início de janeiro, um novo CEO toma as rédeas: Ulf Mark Schneider, um veterano do setor de saúde, é o primeiro CEO da Nestlé a ser contratado no mercado (e não dentro da empresa) desde 1922.
O mercado especula que Schneider fará uma série de aquisições para aumentar a participação deste negócio no bolo da receita… enquanto faz o negócio de chocolate ficar mais saudável.
Os leitores que se interessam sobre o negócio de comida processada — e sua dependência de altas doses de açúcar, gordura e sal — devem ler “Sal, Açúcar, Gordura — Como a indústria alimentícia nos fisgou”, do repórter investigativo Michael Moss, hoje no New York Times e ex-Wall Street Journal.