A MRV está investindo em novos negócios e criando um ecossistema de produtos que devem transformar para sempre a incorporadora da família Menin, que se tornou sinônimo do Minha Casa Minha Vida (MCMV) desde que o programa foi lançado.
Já este ano, produtos que não são MCMV responderão por 18% do valor geral de vendas (VGV) da companhia e, em 2025, quando a MRV espera estar lançando 80 mil unidades/ano (o dobro do nível atual), a meta é que o MCMV responda por apenas 40% do VGV total.
Nos últimos dois anos, a MRV acelerou o crescimento de sua empresa de loteamento, a Urba; criou um negócio de aluguéis, a Luggo; e comprou uma incorporadora na Flórida que desenvolve, constrói e aluga apartamentos de classe média. Além disso, a MRV começou a lançar imóveis de média renda, em torno de R$ 300 mil, com repasse durante a obra e financiados por bancos privados.
O CEO Rafael Menin conversou com o Brazil Journal sobre a estratégia da companhia.
Vocês tiveram um terceiro trimestre muito forte. O mercado de habitação está bombando ou vocês estão ganhando share?
Quais foram as alavancas que propiciaram esse terceiro trimestre? A primeira foi que a casa ganhou importância nessa crise sanitária. Eu não tenho dúvida de que a habitação foi uma indústria que saiu vencedora da crise sanitária: as pessoas ficaram mais tempo dentro de casa e viram a importância de ter uma habitação bem localizada, segura, com lazer, bem acabada, um lugar agradável.
O segundo aspecto é que a MRV já vem há alguns anos investindo muito mais dinheiro em digital do que as outras companhias. Quando começou a crise estávamos prontos para fazer uma venda totalmente online. Nossa plataforma digital é muito mais avançada que a do setor. Quando começou a ter uma restrição de mobilidade a empresa já estava pronta. Não há dúvida que isso ajudou a entregar um excelente segundo tri e um excepcional terceiro tri.
O terceiro ponto é que num momento de crise e insegurança, é natural que aconteça um flight to quality. Houve uma redução na procura de produtos de empresas médias ou menores, com menos reputação, e um aumento da procura de companhias como a MRV, que tem 40 anos de mercado e é líder de setor.
Outra coisa que foi muito importante foi o alargamento do nosso portfólio. A cada trimestre, a MRV vem lançando um pouco mais de produto no segmento logo acima do Minha Casa Minha Vida. A junção desses quatro fatores fizeram com que tivéssemos um desempenho muito acima do esperado no segundo e no terceiro tri.
O digital está respondendo por quanto da sua venda?
Cerca de 75% das vendas hoje começam no digital.
As pessoas compram um apartamento pelo celular sem ter a experiência de ir no local, conhecer o bairro, visitar o decorado?
O que está acontecendo hoje é que — como temos o site, a plataforma, a aprovação de crédito, tudo de forma digital — quando o cliente vai para o plantão ele já está pronto para comprar. Um ano atrás, 50% das vendas começavam nos leads físicos. O cliente ia na loja pela primeira vez, conversava com o corretor e seguia com a venda. O que está acontecendo cada vez mais é que, como a plataforma é muito robusta, ela dá uma quantidade cada vez maior de informações; se o cliente fala que quer um apartamento em tal região de Belo Horizonte, o bot pergunta qual a renda dele, o que ele quer ter no apartamento, etc. O bot já entrega ao cliente um cardápio de opções e o plano de pagamento mais aderente possível para aquele perfil. Se ele manifestar que quer mesmo comprar, ele passa para o atendimento virtual com o corretor. Estamos entregando para cada cliente o empreendimento e o plano de pagamento mais aderente. Então, quando ele vai conhecer o empreendimento, ele já está com tudo isso na mão.
Vocês estão aumentando os lançamentos de média renda com repasse na planta. Com isso, você empata menos capital de giro?
Exatamente. O recurso do cliente entra durante a fase de obra. O fluxo de caixa do projeto é completamente diferente. Num negócio tradicional, o cliente paga 30% no período de obra e os 70% restantes na entrega da chave. Quem banca essa diferença é a companhia, durante a fase de obra, ou via dívida ou com capital de giro, mas no fim do dia é opex da companhia. Quando você faz o repasse na planta, o banco já vai pagando, então é muito mais asset light.
A maior crítica do mercado à MRV é a dependência do MCMV. Vocês estão fazendo um esforço consciente para diluir a representatividade do MCMV no negócio?
Nossa estratégia não é reduzir o MCMV, mas queremos crescer as outras linhas de produto. A MRV produz 40 mil unidades por ano e queremos chegar a 80 mil em 2025.
E de que forma? 40 mil no MCMV; 15 mil unidades por ano no SBPE/Luggo, que aí já é um outro bolso; 15 mil unidades por ano na Urba; e 5 mil na AHS. Há dois anos, a MRV era uma empresa com um funding único e um produto único. Uma empresa de R$ 6 bi.
Se a gente adiciona 15 mil unidades por ano com valor médio de R$ 280 mil estamos falando de mais R$ 4 bi de VGV. É uma empresa quase o dobro da Even. E, se anualizarmos o terceiro trimestre, a MRV já fez quase R$ 1 bilhão de vendas no segmento fora do MCMV. Já é um segmento relevante. E se pegarmos a AHS — 5 mil unidades por ano a US$ 220 mil — é mais US$ 1,1 bilhão por ano (ou R$ 6 bi). Vamos ser uma empresa de R$ 6 bi no MCMV, mais R$ 4 bi no SBPE, mais R$ 6 bi na AHS, mais a Urba, que é a empresa de loteamento. Esse é o nosso projeto para 2025.
Você acha que o mercado está errado de ainda não ter precificado essa estratégia de ecossistema?
Vamos pegar o exemplo da AHS, já temos US$ 300 milhões de propriedades à venda. Se eu vender neste ano, vai ser R$ 1,5 bilhão. Mais o R$ 1 bilhão que já estamos fazendo anualizado na Luggo e no SBPE, isso dá R$ 2,5 bi de vendas. É quase uma Cyrela. Mas o mercado ainda não está pagando para ver. O mercado está começando a perceber, mas ainda não está pagando.
E quando falamos de ecossistema, como pensamos o negócio? A MRV lançou 500 mil apartamentos em sua história, atendendo 1,5 milhão de clientes. Esse ano vão ser mais 50 mil unidades e queremos chegar em 80 mil.
Nosso mercado é meio esquisito por um motivo: você compra o imóvel na planta, fica com uma ansiedade danada no período de obra e no dia que você recebe a chave, a relação de consumo com a incorporadora acaba. O cliente só vai ligar pra reclamar de infiltração. Quando você começa a usar o produto, fica 12 horas por dia morando no apartamento, você só vai ligar pra reclamar se houver algum problema. E não tem produto mais importante que a casa própria, nem o smartphone você usa tanto. Mas a relação de consumo acaba depois que entregamos a chave.
Nosso racional é: como eu faço para, a partir do momento que a chave for entregue, começarmos uma relação de usuário, de cliente? Que solução de moradia eu posso entregar para descomoditizar? Hoje o cliente já pode customizar o apartamento, já pode comprar os móveis pelo nosso app… O que estamos criando é um marketplace onde ele encontra tudo que precisa para a casa. Todo relacionamento é dentro do app.
Estamos escalando a plataforma; o cliente do condomínio vai ter que contratar internet. Por que não entregar o condomínio com um ponto de fibra, um link dedicado, que vai ser muito mais barato para o nosso cliente? As decoradoras virtuais, vamos ter 40-50 tipos de decoração para cada ambiente, e decoradores que vão ajudar o cliente a montar o seu ambiente e já com a loja. Tudo que for ligado à casa queremos que o cliente continue transacionando e usando nossa plataforma.
Essa plataforma já está funcionando?
Uma pequena parte. Está em gestação. O pós-venda é onde a MRV está investindo mais dinheiro. Temos 35 squads, quase 400 pessoas trabalhando nisso, com o objetivo de descomoditizar a experiência de moradia. O cliente não está comprando um imóvel, está comprando uma experiência.
E há outras vantagens. Por exemplo: um consumidor procura a gente para comprar um imóvel no Rio de Janeiro, em determinado bairro. Não temos nada em estoque, mas tenho um produto entregue há 4 anos que pertence a um cliente que quer vender para comprar um imóvel maior. Por que eu não posso fazer essa intermediação? Isso é um ecossistema. É entender que a companhia, que antes comprava o terreno, fazia a obra e entregava a chave, e só isso, agora mudou. A partir de agora, eu quero me relacionar com esse cliente por 10 anos.
Como está a Luggo, o seu negócio de locação imobiliária?
Na Luggo a gente controla a experiência completa, desde a locação que o cliente faz no app em 5 minutos. Ele monta o apartamento do que jeito que quer. E quando ele muda para o apartamento, lá dentro tem carro compartilhado, tem um mercadinho para comprar, uma lavanderia da Omo. A solução de moradia da Luggo para aluguéis de R$ 1.100- R$ 1.500 não tem paralelo na indústria. Estamos concorrendo com o aluguel informal, com fiador, papel, prédio velho, mobília feia… a Housi faz isso também em São Paulo, mas para aluguéis de R$ 5 mil por mês. A gente está fazendo para aluguéis de R$ 1,1 mil. Estamos democratizando uma experiência super moderna de moradia para quem não está pronto para comprar imóveis.
A Luggo começou com quatro projetos. No fim do ano passado ela vendeu os quatro projetos para um fundo imobiliário, e agora ela já está com o dobro de unidades em construção. E esperamos vender nos próximos três meses entre 800 mil e 1 mil unidades, fazendo um follow-on do FII. O que é interessante da Luggo? A gente faz um empreendimento inteiramente executado para locação. É diferente do Quinto Andar, que você vai alugar um apartamento num prédio de 20 anos dentro de um monte de apartamento que não é para locação. Você não consegue entregar a experiência completa de moradia.
Já tem Luggo em quantas cidades?
Hoje, tem Luggo funcionando em Belo Horizonte, Campinas e dois em Curitiba. Até o meio do ano que vem vamos estar em São Paulo, Campinas, Salvador, Brasília… Está escalando muito rápido esse projeto, com vacância baixíssima… E temos um pipeline muito grande. Como somos verticalizados, compramos o terreno, construímos e vendemos, temos condições de criar um portfólio com yield on cost de 9% e vender esse portfólio para um fundo a 6-6,5%. Essa arbitragem de yield é o ganho da Luggo. Só quem é verticalizado consegue isso.
A AHS, que vocês tem na Flórida, é o mesmo modelo. Como está o negócio hoje em relação à expectativa que tinham um ano atrás?
Está dentro do planejado. O produto AHS é muito parecido com o Luggo: compramos o terreno, construímos, locamos, fazemos a gestão e depois vendemos para um fundo.
O aluguel é de US$ 1.300 a US$ 1.600.
Controlamos a experiência do começo ao fim e isso faz com que tenhamos um yield on cost bem acima do mercado. Já estamos expandindo para Atlanta e Dallas. Depois vamos para Houston e, provavelmente, Charlotte ou Washington DC.
Pretendem fazer algum movimento societário na AHS? Levar para a Bolsa nos EUA?
Isso é uma possibilidade. Achamos que temos uma empresa muito peculiar, porque o mercado americano é muito especializado. Lá você tem developers, construtores, empresas que fazem a gestão…. Mas não tem nenhuma empresa verticalizada como a AHS.
É mais trabalhoso, exige mais know-how, um pouco mais de capital, mas o retorno é muito maior. Somos um negócio diferente naquele mercado, então achamos que em algum momento a AHS vai ser muito sexy para levarmos para o mercado de capitais.
Mas a empresa tem que estar na escala correta para não deixarmos dinheiro na mesa. Mas é uma empresa que estamos dobrando a cada ano, querendo chegar em 5 mil unidades em 2025.
Se você tivesse mais capital para colocar lá você conseguiria acelerar muito o crescimento? Ou não é uma questão de capital, mas de gente?
Claro que capital é sempre finito. Mas o que estamos aportando de inteligência na AHS vale mais que capital. A MRV já se comprometeu a colocar capital na AHS — um pouco ano que vem e um pouco em 2022 — para eles entregarem o crescimento. Mas para mim o que mais tem valor é know how e gente. E isso estamos levando. Isso é de suma importância para o negócio da AHS. Estamos levando executivos do Brasil, que vão ajudar na aceleração do negócio. E na AHS, por estar no maior mercado imobiliário com exceção da China, estamos ganhando experiência, trazendo ganhos de lá para cá. Ter uma experiência americana traz um grande destravamento de valor para essa plataforma da MRV.
Com a crise, vocês tiveram aumento de distrato nos últimos trimestres?
Neste terceiro trimestre tivemos um leve aumento de distrato, mas reportamos vendas líquidas de distrato. E a venda líquida cresceu 40% em relação ao ano passado. E 9% em relação ao segundo tri. E no segundo tri, teve um pouco mais de distrato que vínhamos tendo também
Qual seu retorno sobre o patrimônio (ROE) hoje?
O ROE do primeiro semestre foi por volta de 10%. Demos um pouco de desconto na crise, nos dois últimos trimestres, e também teve um aumento de custo. Mas nosso target é voltar a ter um ROE acima de 15%.