Em momentos conturbados, o mais complexo não é executar tarefas, mas definir o melhor e o correto a se fazer. Precisamos conjugar eficácia com prudência para enfrentar os desafios de hoje sem comprometer o amanhã.
Essa sabedoria ético-política e gerencial evita a instalação de um círculo vicioso de crises.
No intenso debate sobre a ajuda da União aos Estados e municípios — na busca de uma saída para a urgência do presente — estamos à beira de abrir a porta para uma calamidade fiscal logo ali adiante.
Como alcançar um ponto de equilíbrio entre combater a crise e garantir a sobrevida da economia do nosso País? E como fazê-lo de maneira democrática e respeitosa, entendendo as especificidades de cada um dos agentes envolvidos?
Boa parte do debate está focada no dimensionamento do auxílio aos entes federados e na forma como essa ajuda deveria ser concretizada.
A redação final do Projeto de Lei Complementar (PLP) 149/19, aprovado na Câmara, traz auxílio de R$ 80 bilhões. A ajuda, relativa a um período de seis meses, tem o formato de um seguro total de receita, garantindo a mesma arrecadação de ICMS e ISS do ano de 2019 para os Estados e municípios.
Apesar de bem-intencionada, a solução trazida pela Câmara apresenta sérios problemas, especialmente por conta do desenho proposto. O auxílio em forma de seguro total produz um enorme risco à própria política de alívio fiscal. Explico: qualquer seguro total induz a uma mudança de comportamento do gestor, nesse caso, em relação à administração tributária que olha para a receita dos Estados e municípios.
O texto do projeto permite benefícios fiscais e diferimentos para pequenas e microempresas e para ações de garantia do emprego – como se sabe, todas as renúncias fiscais têm este como seu principal argumento. Com isso, prefeitos e governadores tenderão a conceder esses benefícios de forma ampla, e a queda na arrecadação de impostos será muito maior do que se pode imaginar a princípio.
O resultado é um aumento no custo desta política, refletindo-se no crescimento de dívidas e do ônus para todos os cidadãos brasileiros, uma vez que somos nós que pagamos essa conta.
Outro problema é o tempo de duração do auxílio. Por que fazer uma política de seis meses se todas as outras, principalmente as que visam aos mais vulneráveis, duram até três meses?
Portanto, percebe-se que a proposta tem problemas técnicos, podendo ser aprimorada por meio do debate democrático. O Senado terá a chance de aperfeiçoar a proposta, mostrando que o modelo bicameral pode promover medidas amadurecidas pela discussão social e política ampliada.
A meu ver, um caminho prudente e eficaz seguiria a mesma dimensão temporal de tudo o que se tem feito, ou seja, um período de três meses, e estipularia um valor fixo para o auxílio de forma a eliminar o incentivo perverso que o seguro total pode ensejar.
Também é fundamental que, em meio ao enfrentamento deste tempo trágico, o debate acerca do controle de despesas na gestão pública não seja posto de escanteio.
As lideranças políticas, assim como todos os Poderes, devem dar o exemplo cortando na própria carne e encorajando os demais setores a fazerem o mesmo, legitimando, assim, as instituições democráticas. O serviço público não pode se isentar desse processo que afeta o País e o mundo.
Neste quesito, dois governadores tomaram atitudes em direções opostas no cuidado com o dinheiro público. Na semana em que se discute a recomposição de receitas para estados por conta da crise, o governador do Rio Grande do Sul propôs cortar 30% de seu salário. Já o governador do Rio de Janeiro sancionou uma lei que autoriza o governo a mudar o Orçamento de 2020 para permitir a revisão das remunerações dos servidores estaduais.
Toda perda de receita e aumento de despesa não precisam virar uma conta para as próximas gerações. Essa perda pode ser compensada hoje mesmo, com a melhor alocação dos recursos públicos e controle das despesas obrigatórias.
Nesta hora em que todos perdem, o desemprego aumenta e salários são reduzidos, é questão de sobrevivência investirmos em medidas que combinem eficácia no presente e responsabilidade com o amanhã. Afinal, o futuro é o que estamos fazendo hoje.
Paulo Hartung é ex-governador do Estado do Espírito Santo.