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O mercado espera para as próximas horas a maior transação do plano de desinvestimentos da Petrobras até agora: a venda de sua malha de gasodutos no Sudeste para a Brookfield, o conglomerado canadense.

A Nova Transportadora do Sudeste (NTS) é a empresa da Petrobras que leva o gás produzido na costa brasileira até as distribuidoras estaduais, como a Comgás em São Paulo e a CEG no Rio.

A transação, estimada em US$5,2 bilhões, deve aliviar o balanço da estatal num momento em que a Petrobras ousa vender até campos do pré-sal – a vaca sagrada dos nacionalistas, que exaltam o ‘valor estratégico’ do petróleo sem oferecer sugestões para a Petrobras fechar suas contas no fim do ano.

Mas para além do efeito saudável no caixa, a venda da NTS tem um significado mais amplo: uma oportunidade única para finalmente abrir o mercado de gás natural no Brasil.

O problema é que, para que isso aconteça, a regulação de hoje — pensada tendo a Petrobras como monopolista na produção, no transporte e na importação do gás — precisa mudar, sob pena de se transformar um monopólio estatal num monopólio privado.  (Aliás, um dos obstáculos para a venda da NTS é a posição do CADE e possíveis liminares impetradas por agentes do mercado de gás.)

A primeira questão regulatória a ser resolvida é dar transparência aos preços. 

Hoje, as distribuidoras de gás pagam à Petrobras um valor único, que inclui tanto o preço da molécula de gás quanto o seu transporte, e a divisão entre os dois (a mercadoria e o serviço) não é clara. Pelas regras atuais, cada duto tem uma tarifa específica, mas a conta é dividida entre todas as distribuidoras. Em suma: o mercado opera com preços opacos e à base de subsídios cruzados.

Grandes consumidores de gás e as próprias distribuidoras temem que o novo dono dos gasodutos possa cobrar preços abusivos se não houver uma regulamentação clara por parte da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Outro ponto crucial que a regulação tem que resolver é o acesso de terceiros à malha – o que pode fazer deslanchar, de vez, a importação de gás natural liquefeito (GNL) por outras empresas que não a própria Petrobras. Com a queda do preço do petróleo e o boom do ‘shale gas’ nos EUA, há GNL abundante e barato no mundo, e os comercializadores, que cortejam há tempos o Brasil, só não entraram aqui até agora porque não há concorrência e um mercado de gás digno deste nome.

Por ora, 100% do transporte da NTS está contratado pela própria Petrobras até meados da próxima década, mas especialistas afirmam que a capacidade não é completamente utilizada. Isso permitiria que outros players como térmicas a gás, indústrias e distribuidoras possam importar GNL e escoar o produto usando a capacidade ociosas da NTS.

Inicialmente, o mercado de gás brasileiro era regulado pela Lei do Petróleo, aprovada em 1997. A lei estabelecia um período de transição ao final do qual a Petrobras seria livre para fixar os preços de petróleo, derivados e gás natural.  Essa transição terminou em dezembro de 2001. Em 2009, com a sanção da Lei do Gás, criou-se um marco regulatório específico, mas graças à pressão de um governo e de uma Petrobras no auge da soberba do pré-sal, medidas pontuais mais liberalizantes acabaram engavetadas.

Agora, com o Ministério das Minas e Energia mais em sintonia com a realidade do mercado, o Governo criou um grupo de trabalho para discutir a questão. Este grupo vai receber contribuições até o fim de setembro e deve apresentar uma minuta para audiência pública em outubro. A ANP também está trabalhando para definir regras mais claras para a tarifa de transporte de gás.

Nos últimos anos, diversas tentativas de mexer na lei acabaram morrendo na praia. Agora, com um Governo pró-mercado e a urgência da Petrobras em fazer caixa, as mudanças podem finalmente deslanchar, abrindo o mercado de gás para a concorrência e beneficiando toda a economia.