Com cerca de 100 mil atendentes na folha de pagamentos, a Contax, maior empresa de call center do Brasil, está enfrentando um inferno particular. Sua ação implodiu, seus credores temem não receber, e o maior cliente da empresa — a Oi — está às voltas com seus próprios demônios. Outras empresas do setor, como a Vidax e a Tellus, fecharam ou pediram recuperação judicial nos últimos anos, botando quase 50 mil funcionários na rua e surpreendendo seus clientes com passivos trabalhistas.
Mas na terra arrasada do mundo dos call centers, uma pequena e jovem concorrente, a Home Agent, está demonstrando um vigor atípico: seu faturamento vai crescer 35% este ano, e os contratos já assinados garantem mais 40% de crescimento em 2016. O segredo da bonança: a empresa é o primeiro call center do Brasil em que os atendentes trabalham exclusivamente de casa, e não naquelas gigantescas lajes corporativas onde funcionários usando ‘madonas’ (os headsets do telefone) brindam nossas vidas com a educação pasteurizada do “senhor isso”, “senhora aquilo” e o infalível “senhor, o sistema está fora do ar…”
No conceito schumpeteriano de ‘destruição criativa’ do capitalismo, a Home Agent pretende demonstrar, aos poucos, que os reis do call center estão nus. Pensando bem, trata-se de um modelo de negócios em linha com o espírito do tempo: o Uber, a maior empresa de transporte de passageiros do mundo, não é dona de um veículo sequer. O Airbnb, a maior rede de hospedagem do planeta, não possui nenhum imóvel. O YouTube, o maior canal de mídia, não produz conteúdo. Quem disse que um bom call center precisa ter uma central de atendimento?
O CEO da Home Agent é Fabio Boucinhas, que já trabalhou no Yahoo e na área digital da Natura, e fundou a empresa com a irmã, Celeste, em 2011. (O avô de Fabio, José da Costa Boucinhas, fundou em 1947 o que mais tarde se tornaria um império de auditoria, a Boucinhas & Campos. Mais tarde, um de seus primeiros clientes foi a Petrobras, que terceirizou — quem diria — sua área de contabilidade.)
Ao recrutar gente para trabalhar em casa, a Home Agent consegue atrair pessoas que normalmente não podem sair de casa para trabalhar, como mães com filhos pequenos. São profissionais em geral mais maduros e qualificados. A idade média de seus atendentes é 32 anos, comparada a 25 no mercado — e 61% deles estão cursando ou possuem ensino superior.
Sem o deslocamento até a empresa, os funcionários ganham, na média, quatro horas por dia em tempo livre — 60 dias por ano — e produzem 30% a mais que num call center tradicional. Com isso, a rotatividade de funcionários da Home Agent fica entre 0 e 2%, muito abaixo da média do mercado; as faltas ao trabalho ficam em cerca de 3%, ante 10% no modelo tradicional, diz Boucinhas.
Isso sem falar no que os economistas chamam de ‘externalidades positivas’: com o fim do deslocamento dos funcionários, a Home Agent evita a emissão de 50 toneladas de CO2 por ano. Se todo o mercado de call centers adotasse a mesma prática, a empresa estima que a economia seria de 864 mil toneladas por ano. “Para cada pessoa que eu tiro do metrô da Praça da Sé, vinte me agradecem,” Boucinhas brinca.
Com apenas 150 atendentes, a Home Agent vai faturar este ano 5 milhões de reais, com clientes como a Ford, a seguradora Líder DPVAT, que tem a concessão para explorar o seguro obrigatório, e a Doutor Consulta, operação de saúde voltada para pessoas de baixa renda. Boucinhas está conversando com fundos de venture capital para levantar dinheiro e acelerar o crescimento.
Algumas empresas já começam a explorar o modelo de home office por conta própria. A Gol, por exemplo, tem cerca de 1.000 pessoas trabalhando de casa, num call center virtual. A Porto Seguro, idem. Boucinhas reconhece que a barreira de entrada é baixa, mas apenas à primeira vista. “Esse negócio de trabalho à distância é algo muito fácil de errar, mas já construímos a expertise e sabemos como fazer pra funcionar,” diz.
O call center baseado em home office já existe há muito nos EUA, onde há pelo menos 600 mil pessoas trabalhando de casa, para empresas como a West At Home e a VIP Desk. No Brasil, o modelo da Home Agent é novo em parte por uma questão regulatória. Foi somente a partir de 2011 que a lei brasileira deu conforto às empresas para ter funcionários trabalhando de casa. “Antes era uma zona cinzenta,” diz Boucinhas. “Dependia de cada juiz decidir se aquela pessoa estava trabalhando para você dentro dos horários combinados, ou se estava à sua disposição 24 horas por dia, o que gerava mega passivos trabalhistas.”
Apesar de suas claras vantagens competitivas, Boucinhas adverte que o mercado de call centers precisa passar por uma reflexão. Os maiores clientes do setor — as teles e os bancos — vivem espremendo as empresas, buscando preços menores. Para tentar preservar suas margens, as empresas do setor acabam migrando para o interior do País, em busca de cidades médias. Com o tempo, a presença do call center gera uma situação de pleno emprego e seus custos começam a subir, forçando a empresa a se mudar para outra cidade. Este modelo migrante, quase cigano, tornou-se um círculo vicioso. Na sua raiz, o clássico problema do ovo e da galinha: os contratantes acham que a qualidade do serviço é baixa e querem pagar cada vez menos, e os fornecedores, recebendo pouco, entregam o que dá.