Um dos fotógrafos mais conhecidos do País está em exposição no Instituto Moreira Salles de São Paulo.

Luiz Braga: arquipélago imaginário, com curadoria de Bitu Cassundé e Maria Luiza Meneses, percorre 50 anos de carreira do fotógrafo paraense através de 258 fotografias – 190 delas, inéditas. O cotidiano de alguns territórios da região Norte é revelado de forma poética em uma das melhores exposições em cartaz na cidade. 

 Luiz Otávio Salameh Braga nasceu em 1956, em Belém, filho de mãe libanesa e pai indígena. Braga desenvolveu uma linguagem visual própria, marcada pela cor vibrante e pela forma como ele capta a luz.

 “Falo de mim nas minhas fotografias. Tudo que fotografo tem relação com minha vida, meu sentimento e meu afeto,” ele disse ao Brazil Journal.

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 No ritmo cada vez mais acelerado da vida contemporânea, ouvir Braga é um bálsamo. Hoje com quase 70 anos, trata-se de um humanista, um homem extremamente sensível, de fala suave e profunda, que se interessa pelas pessoas e baseia seu trabalho no outro.

Por isso, seu método é tão particular. Não é um fotógrafo de paisagens, de fauna ou flora. Ele genuinamente valoriza as histórias e se interessa pelos saberes populares, o que proporciona situações que só podem ser registradas em função do convívio com os moradores do local.

Braga costuma dizer que sua fotografia não é de passagem; ele se instala nos lugares para criar uma troca e cumplicidade antes de qualquer registro.

“Tenho como metodologia visitar inúmeras vezes os locais onde fotografo, o que faz com que me torne conhecido e possa, conhecendo, respeitar os códigos, o ritmo e os costumes do lugar,” Braga disse numa conversa com os curadores na abertura da mostra.

 A identidade cultural do Pará e da região amazônica é a grande protagonista do conjunto da obra. Focado nos residentes e suas vidas, Braga “espia” o interior das casas e dos comércios, as tradições ribeirinhas e as manifestações de fé, expondo a intimidade de uma Amazônia urbana e periférica.

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“A cor me abriu um território para a visualidade popular amazônica, que tem origem na sabedoria tanto gráfica como cromática dos povos ancestrais,” o fotógrafo diz no texto da exposição. “Está nas sementes, na arte plumária, na cor das frutas, dos pássaros, das folhagens e se expressa nos barcos, nas canoas, nas fachadas, nos bares, nos tabuleiros, nas estampas.”

 Em uma das fotos, há a imagem de uma mulher andando sozinha pela Transamazônica, registrada no final da década de 90. Braga passava de carro e parou para entender para onde ela ia. Descobriu, perplexo, que ela era vendedora de cosméticos e estava ali para vender para quem passava. Encantou-se com a fé da vendedora, que se mantinha alegre e confiante nas vendas que faria, ainda que estivesse caminhando sozinha na imensidão.

 A mostra inclui sua produção analógica, das primeiras décadas de trabalho, até obras recentes, com experimentação de nightvision.  Dividida em nove núcleos, a curadoria quis fazer um recorte tanto do que capturou o olhar do fotógrafo quanto das técnicas usadas na carreira de Braga.

 A equipe do IMS fez uma seleção criteriosa junto com Braga dentro de um universo de milhares de imagens, muitas das quais ainda não haviam sido reveladas.

Na ala “Afazeres e trabalho” estão os retratos de alfaiates, barbeiros, vendedores de açaí, padeiros, palhaços do circo – profissões típicas do cotidiano regional, mas que Braga procura valorizar. Para o fotógrafo, nos pequenos comércios, ateliês e oficinas, encontra-se a verdadeira beleza da vida, com atividades feitas à mão por pessoas que herdaram o conhecimento do pai, da mãe, ou dos avós.

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 Pouco conhecidas do público, as fotografias em preto e branco estão na mostra para comprovar que a estética de Braga se mantém na ausência da cor, muito mais do que se poderia supor inicialmente. No núcleo “O retrato”, Braga subverte a forma clássica, dando protagonismo ao ambiente e aos objetos. Já em “O antirretrato”, o artista dilui ou oculta as identidades retratadas, priorizando a gestualidade e a contraluz.

 Outro destaque da exposição está na sua produção recente realizada na ilha de Marajó, seu lugar de afeto, onde ele passa bastante tempo e mantém uma casa.  O núcleo “Marajó” é o único inteiramente em cores e acaba por sintetizar o conjunto da obra: a forma, a luz e a cor do arquipélago, que tem sido objeto de sua investigação desde 2006.

 Braga começou a fotografar desde pequeno o ambiente familiar, mas marcou sua vida o registro do trabalho do pai, então diretor do Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira, em Belém, desativado em 1984.

Discípulo de Nise da Silveira, seu pai aplicava práticas humanistas no tratamento dos internos, estimulando o convívio entre eles com jogos, passeios e eventos festivos. Braga participava de muitas dessas atividades e as registrava, o que moldou seu modo de interagir com o outro. 

 Apesar de já premiado internacionalmente, Braga disse que realizou um sonho com a exposição no IMS – mas não pretende parar tão cedo.

“Tenho mais de 500 mil fotografias. E me perguntam por que continuo a fotografar. Por necessidade, respondo,” ele me disse. “Através da fotografia consigo conhecer o outro e me conhecer. É uma psicanálise constante. O tempo para mim não é linear, e sim circular, volto muitas vezes aos lugares, e já não sou o mesmo, nem o lugar está igual. Essa exposição foi construída nessas idas e vindas, sem pressa, registrando o que o olhar passageiro não consegue enxergar.”