A principal ONG que acolhe pessoas LGBT+ expulsas de casa pode ter que cortar vários de seus serviços depois de sua arrecadação cair 40% no ano passado.

A Casa 1, que se espalha por três imóveis no bairro da Bela Vista, na região central de São Paulo, terá que devolver o imóvel onde funciona sua clínica social e reduzir sua equipe depois de ver as doações de empresas – o grosso do total – encolherem a um quarto do total arrecadado em 2021.

Casa1A Casa1 custa R$ 2,5 milhões por ano, principalmente com as despesas dos três imóveis e para manter uma equipe de 24 pessoas. Custaria mais, não fosse o grupo de 160 voluntários, que inclui advogados, psicólogos, educadores e mentores de formação profissional.

Em cinco anos de funcionamento, o espaço já abrigou 450 vítimas da exclusão familiar. A capacidade é de 20 pessoas simultaneamente.

Os refugiados da exclusão costumam passar ali até quatro meses, recebendo tratamento psicológico, apoio jurídico e formação profissional, antes de serem encaminhados a outros serviços públicos ou conseguirem reorganizar a vida. Muitos acabam decidindo alugar quartos em pensões na própria vizinhança para continuar frequentando a casa pioneira, recebendo a doação de roupas, cestas básicas e participando de oficinas.

Há pelo menos cinco novos pedidos diários por abrigo na Casa1.

Em 2021, dos R$ 2,4 milhões arrecadados, R$ 1,6 milhão veio de empresas, e o resto (um terço) de doações de pessoas físicas.

Em 2022, a situação degringolou – e a coisa inverteu: de apenas R$ 1,5 milhão arrecadado, só R$ 400 mil vieram de empresas.

“Teve crise econômica, as eleições paralisaram emendas parlamentares, e as verbas de marketing foram disputadas com grandes eventos, como a Copa e a volta do Carnaval,” Iran Giusti, que abriu a casa em 2017 e a dirige desde então, disse ao Brazil Journal.

A pandemia já havia sido outro baque, já que muitos eventos de arrecadação são presenciais. Além disso, a estadia de muitos abrigados teve que ser estendida, com muitos ficando na casa até 10 meses. Foi nesse período que o caixa zerou.

“Se a saúde mental se tornou algo urgente para a população em geral durante a pandemia, imagina para os mais vulneráveis,” disse Giusti. “Nosso trabalho explodiu online.”

Na clínica social, inaugurada em 2019 e que mal consegue pagar o aluguel, há dez salas de atendimento individual, com 120 atendimentos mensais, além de 40 plantões de escuta. A clínica oferece atendimento psicoterápico continuado, atendimento psiquiátrico, nutricionista e terapias complementares.

No núcleo de empregabilidade, há parcerias constantes com as marcas como Wella e MAC – para cursos de maquiagem e cabelo – e com o Starbucks para o treinamento de panificação e assistentes de cozinha. (As multinacionais participam mais da vida da Casa 1 do que as empresas nacionais, dadas suas metas agressivas de programas de diversidade).

A Casa 1 tem ainda uma cozinha comunitária e a Biblioteca Comunitária Caio Fernando Abreu, com quase 4 mil títulos.

Nas três esferas do Poder público, é mais fácil para a Casa 1 encontrar um edital para patrocinar atividades culturais do que para financiar seus programas de saúde mental.

Dos acolhidos na Casa, 50% são da população cisgênero, e a saída de casa tem mais a ver com a violência psicológica, maus tratos, falta de colaboração ou reconhecimento. Os outros 50% são da população trans, essa mais vítima da expulsão tradicional. “Os pais até aceitam a saída do armário, a orientação sexual, mas quando o filho ou a filha fala da identidade de gênero, os pais nem querem saber da transição e expulsam.”

Giusti se formou em Relações Públicas pela FAAP e trabalhou em veículos como o Buzzfeed e a Carta Capital antes de se dedicar inteiramente ao ativismo social.

A ideia da Casa 1 nasceu quando Iran colocou seu sofá – num quarto-e-sala no Centro de São Paulo – no Airbnb.  Desde o início, o público LGBT+ se destacou – muitos com a mesma história de expulsão.

Cada anúncio colocado atraía mais e mais candidatos desabrigados, e uma vaquinha virtual na Benfeitoria permitiu que Iran institucionalizasse sua república para abrigar jovens despejados de casa em janeiro de 2017.

Como os LGBTs conseguem achar leveza mesmo em meio a tanto perrengue, mesmo o farialimer mais careta está convidado para atividades culturais e de arrecadação de fundos que vão enriquecer seu vocabulário.

Prepare-se para o Drag Bingo, o Cine Sapatão, e, claro, a Rifa das Bee.

COMO DOAR

No site Benfeitoria, as pessoas físicas podem colaborar com no mínimo R$ 10 a reduzir o drama da homofobia e da transfobia.

Também é possível fazer doações pelo Pix contato@casaum.org

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