Para descobrir que sofria de apneia do sono — uma doença crônica que aflige um terço da população adulta e causa diversas paradas respiratórias durante o sono — Tácito de Almeida precisou passar uma noite inteira deitado numa cama de hospital.
Lá, os médicos conectaram dezenas de eletrodos em seu corpo (literalmente dos pés à cabeça), e passaram horas monitorando seus sinais e coletando dados.
“Foi uma experiência terrível”, diz o engenheiro eletrônico. “É um exame extremamente incômodo, caro e difícil de ser feito. No SUS, há filas de até cinco anos para fazer uma polissonografia.”
Inconformado com o método desconfortável e arcaico, Tácito — que já havia fundado e vendido outra startup — se debruçou sobre o problema: leu livros sobre a doença, foi conversar com especialistas e acabou conhecendo Geraldo Lorenzi, pneumologista e diretor do laboratório do sono do Instituto do Coração (Incor), em São Paulo.
Em 2015, os dois fundaram a Biologix, uma healthtech que desenvolveu um aparelho que permite fazer o mesmo exame “complexo e incômodo” no conforto do lar.
A tecnologia, um pequeno sensor portátil que o paciente encaixa no dedo da mão na hora de dormir, começou a ser vendida em janeiro deste ano. De lá para cá, 300 médicos já usaram a plataforma da Biologix, pagando R$ 599 pelo aparelho mais uma assinatura mensal de R$ 320, que dá acesso a todo o sistema.
Na hora de dormir, o paciente coloca o aparelho no dedo: ele começa a coletar informações e as envia por bluetooth ao aplicativo da Biologix. Quando termina o exame, na manhã seguinte, o app transmite as informações para o sistema da startup, que processa, analisa os resultados e gera o laudo, tudo em poucos minutos.
Na prática, a tecnologia utiliza um oxímetro, que mede o nível de oxigênio do paciente e detecta quantos eventos de queda de oxigênio ocorrem por hora.
Os resultados são de tirar o fôlego: num estudo clínico feito pela startup — que examinou 300 pacientes usando a polissonografia e a tecnologia da Biologix ao mesmo tempo — a acurácia dos dois exames foi “praticamente igual em 95% dos casos”, diz Geraldo, que estuda a doença desde 1998, quando fez um pós-doutorado no Canadá sobre distúrbios do sono.
Para ganhar escala, a Biologix está se preparando para entrar nos hospitais: a startup está em conversas avançadas com grandes redes privadas, como o Einstein e o Sírio Libanês, e negociando com o SUS para incluir a tecnologia no sistema público. Recentemente, a healthtech fechou também um acordo com o Alta, um laboratório que pertence a Dasa, para incluir o exame em todos os check ups corporativos feitos por ele.
Os primeiros resultados são promissores. Em setembro, cerca de 900 exames foram feitos na plataforma, tornando a Biologix o maior laboratório de apneia do sono do Brasil. (O Einstein faz, em média, 300 polissonografias por mês).
Hoje, a Biologix fatura apenas R$ 80 mil por mês. Mas a expectativa é fechar o ano com uma receita mensal de R$ 300 mil.
Segundo Tácito, a solução da Biologix tem potencial para destravar o mercado de apneia do sono, que anda de lado há anos apesar da alta incidência da doença. Há duas grandes âncoras: a falta de conhecimento da população e a complexidade e os altos custos do exame de polissonografia, que pode custar até R$ 2,5 mil na rede privada (10 vezes mais que o exame da Biologix).
O resultado: estima-se que quase 1 bilhão de pessoas sofram de apneia do sono no mundo, mas que 85% delas ainda não tenham sido diagnosticadas.
As consequências do não tratamento vão desde o cansaço pela noite mal dormida até problemas cardiovasculares sérios. Estudos feitos pelo Incor, e liderados por Geraldo, comprovam uma correlação grande entre a apneia e doenças como hipertensão arterial, AVCs e até infartos.
Para tirar a ideia do papel, a Biologix recebeu uma subvenção da Fapesp, que investiu R$ 800 mil na startup, e contou ainda com o aporte de diversos investidores-anjo, em sua grande maioria médicos do setor.
Agora, está finalizando uma rodada seed de R$ 3 milhões que deve servir de ponte para um Series A em 2020.
O plano é dar tração à estratégia comercial e desenvolver um novo produto: uma versão mais simples, barata e descartável do aparelho que possa ser vendida em farmácias diretamente ao consumidor final.
“Tem médico que não quer ter o aparelho, que prefere passar uma receita para o paciente comprar e fazer tudo sozinho,” diz Tácito. “Vamos oferecer essa possibilidade e ganhar vendendo o laudo, oferecendo teleconsulta… tem milhares de coisas que ainda dá pra fazer.”