Larry Page e Sergey Brin, do Google; Mark Zuckerberg, do Facebook; Jack Dorsey, do Twitter: os gigantes da internet em geral estão associados ao nome de seus criadores.
Só o Pornhub parece ser uma criatura sem pai.
Um gigante em seu ramo, já esteve entre os 10 sites mais visitados do mundo, mas como é uma plataforma de vídeos pornográficos, carrega o estigma moral que pesa sobre o gênero. Para agravar o quadro, o site envolveu-se em escândalos de exploração sexual, uma história contada em Money Shot – ou Sexo Bilionário, no título em português da Netflix.
O tema picante poderia abrir a porta para o sensacionalismo ou o moralismo, mas não se vê nada disso no documentário dirigido por Suzanne Hillinger. O tom é sóbrio e objetivo.
O documentário gasta menos de um minuto com a origem do Pornhub, lançado por desenvolvedores canadenses em 2007. A história que realmente interessa começa só em 2010, quando o site foi vendido ao empresário alemão Fabian Thylmann, do conglomerado MindGeek.
Hoje, no site da MindGeek, não se encontra qualquer referência à sua marca mais famosa, e nenhum representante da empresa colaborou com o documentário.
Pornografia dá dinheiro, mas é tabu.
A MindGeek realiza suas principais operações em Montreal, num prédio baixo de vidros espelhados que figura nas cenas de transição de Money Shot. O interior, de acordo com Noelle Perdue, que trabalhou lá por três anos, não sugere em nada uma empresa cujo negócio é o sexo: é o típico e monótono ambiente corporativo, com cubículos e carpete cinza.
A princípio, a indústria pornográfica tradicional recebeu o Pornhub com desconfiança: o site era um veículo para a pirataria, uma espécie de YouTube do vídeo erótico, permitindo que qualquer usuário fizesse o upload de imagens.
A MindGeek esforçou-se para colocar os criadores de conteúdo erótico à sua sombra, firmando parcerias com produtoras. Na única imagem de Thylmann no documentário, o empresário aparece falando em uma convenção de profissionais da pornografia, no esforço de convencê-los a se juntar ao site.
Envolvido em um processo por sonegação de impostos na Alemanha, em 2013, Thylmann vendeu a MindGeek para executivos da própria empresa, com o CEO Feras Antoon à frente. Por essa época, os profissionais do pornô já se deixavam seduzir pelo Pornhub, onde podiam monetizar seus vídeos.
Noelle Hunter chegou a atuar como headhunter do site, buscando artistas independentes na internet. Um de seus achados foi Gwen Adora, uma esfuziante ruiva plus size que mostra, no documentário, o pequeno estúdio caseiro onde grava seus vídeos. Gwen atua sozinha, com apoio de sua colorida coleção de brinquedos sexuais.
O Pornhub nunca chegou a ser o site pornô mais visitado do mundo – o XVideos ocupa o topo do pódio. Ainda assim, tornou-se a marca mais conhecida. E a mais atacada.
O grosso de suas receitas vinha dos anúncios que acompanhavam os vídeos. Quanto mais variado o conteúdo disponível, maior o faturamento. E a maioria dos milhões de vídeos do site procedia de usuários desconhecidos (o Pornhub só exigia verificação de identidade dos profissionais).
Essa produção amadora incluía todo um catálogo de crimes sexuais: cenas íntimas gravadas sem autorização, sexo com crianças e adolescentes, estupro, agressão, tortura.
Algumas categorias criadas para organizar o gigantesco acervo do Pornhub convidavam à transgressão. É o caso de teenagers (“novinhas”, na versão brasileira). Noelle Perdue alega que essa classificação referia-se a mulheres com aparência jovem, e que elas não eram “necessariamente adolescentes” – mas isso é como afirmar que elas não eram necessariamente adultas.
Com alguma demora, o Pornhub tirava esses vídeos do ar, atendendo a pedidos das vítimas ou a ordens judiciais. Mas, como o site permitia que se fizesse download de seu conteúdo, o vídeo excluído continuava a circular – até reaparecer no próprio Pornhub.
Uma campanha pelo fechamento do site logo tomou corpo. O golpe mais duro para a MindGeek – que também é proprietária de outros portais de pornografia, como o Redtube e o Youporn – veio no final do 2020, em uma reportagem de Nicholas Kristof, colunista do The New York Times. Os casos reais de adolescentes expostas no site eram chocantes. Em resposta, Mastercard e Visa bloquearam pagamentos ao portal pornô.
O Pornhub afinal tomou providências. Passou a admitir apenas vídeos com verificação de identidade. Em 2021, o CEO Feras Antoon e outros dois executivos da MindGeek declararam, em um inquérito conduzido pelo parlamento canadense, que entre nove e dez milhões de vídeos foram excluídos do acervo para adequar o Pornhub a esses novos critérios.
No mesmo pacote, foram feitas restrições à monetização, prejudicando profissionais que se tornaram dependentes do Ponhub. Siri Dahl, estrela pornô ouvida no documentário, migrou para o OnlyFans, onde cobra para avaliar fotos de pênis enviados por seus clientes.
Money Shot expõe o cinismo de uma empresa que por anos fingiu não ver a natureza criminosa dos vídeos que divulgava, mas em momento algum criminaliza a pornografia.
Regular essa indústria pode ser uma tarefa complicada, mas bani-la não é nem desejável nem viável. Como Noelle Perdue diz no documentário, retirar a pornografia da internet seria como “arrancar a espinha dorsal de um animal vivo”.