Fui analista de alguns bancos de investimentos em Nova York nos anos 90, numa época em que os grandes bancos de investimento ainda estavam se estabelecendo no Brasil, atraídos pelas grandes comissões das privatizações e ofertas de ações.

Poucos eram os times baseados em São Paulo, e toda a expertise e as equipes estavam em Manhattan. A American Airlines agradecia: a rota NY-SP-NY era uma de suas mais rentáveis, e todos os viajantes se conheciam na sala do Admirals Club.

Era uma época bem retratada nos clássicos “Liar’s Poker” e “Monkey Business,” cuja frase mais célebre e apropriada era que “analistas não analisam nada.”  A mais pura verdade…
 
Fomos extremamente bem treinados para revisar cada erro de digitação da apresentação, levar documentos aos Hamptons em horários esdrúxulos (mesmo sabendo que nenhum diretor iria revisar nada até a próxima segunda-feira) e para sermos, literalmente, babás de CEOs e CFOs em roadshows. Ah, sem falar em circular e checar cada número de um prospecto — algo que acabou me sendo muito útil na vida.

Analistas de primeiro ano de banco de investimentos, no geral, são indivíduos recém-saídos das melhores universidades e que passam por um rigorosíssimo processo seletivo. Costumam ter um perfil bastante específico e ambicioso, geralmente com a esperança de se tornarem originadores de operações com bônus polpudos. Sonham, todos, em algum momento da vida não ter as férias e os finais de semana interrompidos por conferências telefônicas que se estendem por horas. (Mas se tiverem que encarar, tudo bem; a família acaba se acostumando.)

Meu melhor parceiro de travesseiro era o meu pager, já que naquela época não havia a facilidade do celular — Graças a Deus — e precisávamos estar a postos caso um diretor tivesse alguma ideia mirabolante no meio da noite que precisasse ser transformada em PowerPoint até a manhã seguinte. Isto quando ia dormir em casa.  Eu mantinha um saco de dormir embaixo da minha mesa no banco para as noites de plantão. 

Desenvolvemos um grande conhecimento em coordenar carros, jantares e acordar diretores que às vezes tentavam emendar a balada com as 12 reuniões do roadshow no dia seguinte. Conseguir reserva nos melhores restaurantes também fazia parte das habilidades muito valorizadas.

Era duro, mas era o preço a ser pago por uma carreira cujo aprendizado e remuneração costumam crescer mais rapidamente do que muitas — o famoso “sink or swim,” ou seja, ou você se vira e sai nadando, ou afunda mesmo.

Semana passada, circulou nos grupos de WhatsApp da Faria Lima o resultado de uma pesquisa feita junto a analistas de primeiro-ano da Goldman Sachs em todo o mundo.

Em média, a pesquisa descobriu que eles trabalham pelo menos 95 horas por semana, 100% recebem deadlines não realistas, 92% são ignorados nas reuniões, e que o estresse do trabalho tem sido prejudicial à sua saúde, tanto física quanto mental.  Ou seja… melhorou muito! 

Eu trabalhava pelo menos 130 horas semanais, durante dois anos nunca tive férias ou dias off, incluindo finais de semana (mas tínhamos chuveiro no escritório, não se preocupem), e sempre fui absolutamente ignorado em reuniões. Também demorei alguns anos para recuperar minha saúde — se é que recuperei.

Os resultados da pesquisa não me causaram surpresa. O que me surpreendeu foi o o fato de conduzirem tal pesquisa e ela estar circulando por aí – sinal de um novo tempo em que há uma maior preocupação com o bem estar dos jovens talentos.
 
O negócio dos bancos de investimento pode não ter mais a relevância ou status daquela época, mas tenho dúvidas se as fintechs ou fundos de private equity hoje oferecem condições diferentes. Ou mesmo as empresas com perfil mais agressivo e foco em resultados. Uma coisa que sempre aprendemos no nosso mercado é que não existe nada de graça — “there’s no free lunch”, outra verdade absoluta.

Tenho muita saudade daquela época. Ao ser cogitado recentemente para uma posição que não era exatamente a minha especialidade, o entrevistador olhou meu résumé e concluiu: “Se você sobreviveu a isto, pode fazer qualquer coisa.” 

É isso que conta.

Um ex-analista, com muito orgulho.