MIAMI BEACH, Flórida — Com enormes colunas douradas, piso de mosaico e painéis pintados do chão ao teto com cenas de paraísos tropicais e animais selvagens, o lobby do hotel Faena Miami Beach é tão grandioso que foi batizado de ‘catedral’ por seu excêntrico dono, o hotelier argentino Alan Faena.
Por trás do grande portal que se abre para o jardim e a praia de água azul-Caribe, o inusitado esqueleto de mamute folheado a ouro 24 quilates de Damien Hirst (arrematado em leilão por US$ 15 milhões) parece vigiar os hóspedes.
No hotel de 169 quartos e diárias que começam em torno de US$ 750, as suítes têm direito a mordomo, e o serviço de praia inclui funcionários que levam jarras com água morna e escovinha para limpar a areia dos pés, entre outros paparicos.
O spa Tierra Santa ocupa um andar inteiro e foi concebido por um xamã mexicano, e os hóspedes podem relaxar numa incrível sala de banho cuja pedra central é feita de amazonita verde-azulada, para completar a ‘experiência transcendental’ que o local promete — e entrega.
O Hotel Faena é a mais recente prova de que Miami deixou para trás seu passado decadente — o estigma de gateway de muambeiros para a América do Sul — para se firmar como uma cidade sofisticada, global e culturalmente interessante, atraindo um número crescente de turistas e investidores. (Sim, o novorriquismo continua lá, mas diluído em meio a um equipamento cultural e sofisticação que inexistiam uma década atrás). Em vez de mera conexão para latinos indo de férias para Orlando, a cidade agora é destino final graças a seu DNA híbrido: o conforto e serviço made in USA e a informalidade latina.
Eventos como o Art Basel, a feira de arte que ocorre em Miami Beach desde 2001, vem conquistando público e notoriedade nos últimos anos. Há três anos, a cidade ganhou o Pérez Art Museum, bancado pelo bilionário incorporador argentino Jorge Pérez. Um novo museu de ciências, o Frost Science, abrirá as portas em maio bem ao lado do Pérez, com um aquário de três níveis e planetário de 250 lugares. Isso sem falar no Arsht Center, que abriu há dez anos e inclui uma ópera, um concert hall e um teatro.
“Há dez anos, Miami era uma cidade de passagem. As pessoas vinham aqui para trabalhar, ficavam um tempo e depois iam embora. Agora, com a melhora na infraestrutura e na vida cultural da cidade, muita gente está fincando raízes,” diz Santiago Fittipaldi, que deixou uma carreira de oito anos na Burson-Marsteller para abrir sua própria agência de relações públicas, a RedSwirl Communications, em Miami em 2015. Sua lista de clientes inclui a HBO, Inter-American Development Bank, Sumitomo, Gerdau e a operação latino-americana da Apple.
“Agora, a vida em Miami vai muito além das praias e dos shopping centers,” diz Fittipaldi.
Cadeias de hotéis tem preferido Miami como porta de entrada nos Estados Unidos: O Swire Hotels, de Hong Kong, abriu o EAST, na região da Brickell, o centro financeiro da cidade. O grupo chileno Atton também fincou sua bandeira na Brickell, e o Meliá abriu o ME Miami bem na frente ao Pérez Museum e a poucos minutos de Wynwood, o bairro hipster cujo metro quadrado triplicou entre 2013 e 2015 no auge da transformação do bairro de uma área industrial decrépita e perigosa em um centro de arte com uma vida noturna agitada.
“Os fatores se alinharam nos últimos anos, e Miami se tornou um destino internacional, com uma vida cultural intensa e uma comunidade de investidores muito interessante,’’ diz Giovanni Beretta, vice presidente da Swire Hotels. No topo do Sugar, o concorrido rooftop bar do EAST, Beretta pede licença para levar uma garrafa de Moet & Chandon Brut Impèrial para o tenista Novak Djokovic, que estava hospedado no hotel durante o último Miami Open. (O tenista acabou não jogando, mas comprou um apartamento na cidade.)
“Antes todos queriam ficar na praia, mas agora a região da Brickell também está bombando,” diz em português com um level sotaque italiano.
Mais de 15,8 milhões de pessoas visitaram Miami no ano passado, comparado a 14,5 milhões dois anos antes, segundo o departamento de turismo da cidade. Nos hoteis, a diária média despencou de US$ 241 para US$ 218,50 no último ano por conta do aumento de oferta: foram quase 2.500 novos quartos, totalizando 54.500 somente no condado de Miami-Dade, que inclui Miami Beach. Em 2018, o número deve chegar a 60.500.
No mercado imobiliário, para apartamentos de um quarto em Miami Beach, a média de preço hoje é US$ 300 mil, ainda abaixo do pico de US$ 345 mil em maio de 2007, segundo o site Zillow, uma base de dados de compra e venda de imóveis. Já as unidades de dois quartos saem na média por US$ 590 mil, já acima do pico de US$ 548 mil em 2007. O dólar mais forte, a instabilidade econômica na América Latina e um grande aumento da oferta devem levar a uma correção nos preços este ano (a maior queda é esperada no segmento de luxo).
Aliás, os imóveis de luxo da cidade lembram a extravagância de Manhattan: um apartamento no One Thousand Museum, prédio de 63 andares com um exoesqueleto branco de fibra de vidro e concreto, de frente para a Biscayne Bay e seus navios de cruzeiro, não sai por menos de US$ 5,5 milhões. O Porsche Design Tower, em Sunny Isles, tem 60 andares e garagens para vários carros nos próprios apartamentos (os carros sobem de elevador). A cobertura quadruplex foi vendida por US$ 25 milhões, uma pechincha comparada ao Apogee, o badalado prédio em South Pointe, a pontinha sul de South Beach, onde a cobertura triplex está à venda por US$ 65 milhões.
A cena gastronômica também está cada vez mais interessante. Apenas entre dezembro e fevereiro, mais de 70 novos restaurantes abriram suas portas na cidade, de acordo com o Miami New Times, que publica um balanço mensal do que abriu e fechou. “Comprei meu primeiro apartamento em Miami há cinco anos, e na época não havia nem um quinto dos restaurantes que existem hoje,” um empresário brasileiro disse ao Brazil Journal.
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Miami Beach ainda é a parte de Miami que mais atrai turistas de altíssimo luxo. Quando decidiu iniciar seu projeto em Miami, Faena adotou estratégia semelhante à transformação que ajudou a realizar em Puerto Madero, a região portuária de Buenos Aires que estava abandonada até o fim dos anos 90.
Faena encarou o projeto como se fosse o diretor de um filme. Tanto que contratou Baz Luhrmann, diretor de Moulin Rouge e O Grande Gatsby, e sua mulher, a premiada figurinista Catherine Martin. Eles transformaram o lendário hotel Saxony, inaugurado em 1948 como o primeiro resort de luxo de Miam Beach — o único com ar-condicionado então — e abandonado nos anos 90.
“Meu objetivo sempre foi criar experiências sensoriais, fantasias, ambientes com histórias, quero que as pessoas que passam por aqui lembrem desses momentos para sempre, como lembram de seus filmes favoritos,” afirma, levantando a aba do chapéu Panamá com uma pena que é sua marca registrada e virou símbolo do hotel: o desenho está nos roupões, fronhas e nas sandalinhas vermelhas de borracha oferecidas aos clientes do spa.
O hotel foi inaugurado há pouco mais de um ano e se tornou um dos principais destinos de luxo da cidade, atraindo também ‘foodies‘ para seus dois restaurantes: o Los Fuegos, do chef argentino Francis Mallmann, e o Pao, do chef Paul Qui.
Com a ajuda de seu sócio, o bilionário ucraniano Len Blavatnik — fortuna avaliada em US$18,6 bilhões — o argentino vem comprando prédios no entorno para consolidar o seu Faena District, um projeto de US$ 1 bilhão que se espalha por quatro quarteirões de Mid-Beach e inclui o centro de artes Faena Forum e o Faena Bazaar, um shopping de luxo que deve abrir este mês, entre outros edifícios — todos desenhados pela crème de la crème da arquitetura, como Rem Koolhaas e Norman Foster.
O Faena House, um prédio residencial ao lado do hotel, teve sua cobertura vendida por US$60 milhões, um recorde para a cidade: o comprador foi Ken Griffin, dono do Citadel, o maior hedge fund de Chicago. Seus vizinhos de condomínio incluem Lloyd Blankfein, CEO da Goldman, e Leon Black, do private equity Apollo Global Management.
Até o Fasano está apaixonado pelo potencial de Miami Beach. No ano que vem, a rede vai abrir o Fasano Hotel and Residences at Shore Club, um projeto de alto luxo que, além do hotel de 85 quartos, conta com ‘pool houses’ e 67 apartamentos, com projeto de Isay Weinfeld.
O perfil de clientes e hóspedes tem mudado, principalmente em função da queda nas economias da América Latina. Laure Hériard Dubreuil, dona da exclusiva butique de luxo The Webster em South Beach, diz que muitas fiéis compradoras brasileiras e venezuelanas desapareceram nos últimos dois anos, enquanto o número de clientes da Ásia e Oriente Médio tem aumentado.
O mesmo movimento acontece nos imóveis de luxo. Compradores domésticos, principalmente de Nova York, agora são a maioria (em 2015, eram menos da metade), e negócios all-cash já não são tão frequentes: o número de corretores que faziam mais negócios em dinheiro vivo caiu para 58% em 2016 de 68% no ano anterior.