Conheci Rodolfo Spielmann em 2013, quando ele era sócio da Bain & Company, então cliente da minha empresa de relações públicas. 

Tínhamos interagido pouco ou nada até agosto daquele ano, quando um belo dia Rodolfo nos contatou pedindo um orçamento para um projeto pessoal. 

Marcamos de almoçar. Ele me contou que tinha montado uma vinícola em Mendoza, na Argentina – sua terra natal, embora tenha vivido mais na Alemanha e no Brasil –  e começara a produzir vinhos sob a marca Spielmann Estates. 

Havia descoberto e comprado um pequeno tesouro enológico, uma finca abandonada com vinhedos plantados há mais de um século, e queria fazer o lançamento de seus rótulos no mercado brasileiro.

O que Rodolfo não imaginava é que estava falando com um ‘wine geek’. Em meia hora de conversa ele viu que eu também conhecia e gostava do tema. Fechamos ali o trabalho.

O lançamento foi um sucesso, com direito a página inteira no jornal Valor Econômico (texto do Jorge Lucki) além de todas as mídias de gastronomia que queríamos. 

Rodolfo era do tipo exigente e contido, econômico nos elogios, meio durão. Quando recebi um email dele dizendo “este resultado superou as minhas expectativas, que já não eram baixas!,” entendi que aquele feedback entrava na categoria dos ativos valiosos por sua escassez.

A verdade é que os vinhos ajudavam no trabalho de divulgação – são bons mesmo. Nos divertimos muito organizando degustações e entrevistas. Rodolfo fazia tudo de maneira cartesiana, planejada, eficiente. Mas também com entusiasmo. Colocava método na paixão. Era o seu jeito. 

Acabamos ficando amigos.

A morte já é um tema difícil de lidar, mas a morte prematura dói ainda mais. Como um súbito tapa na cara, ela nos acorda para a fragilidade da vida e nossa impotência perante o destino, e nos obriga a refletir sobre os valores que cultivamos nesta jornada.

Depois de duas décadas na Bain e de quase oito anos à frente da operação latino-americana da CPP Investments – o gigantesco fundo de pensão canadense – Rodolfo estava num dos melhores momentos de sua vida, com novas e empolgantes perspectivas. 

Acabara de montar seu negócio próprio – a South Patagonia Capital – e estava negociando seu primeiro investimento. Havia reunido um time jovem e talentoso, de quem falava com empolgação, e já pensava em ampliar a equipe.

Havia também contratado uma enóloga para a Spielmann Estates, que nos primeiros anos contou com a supervisão de seu amigo Jose “Pepe” Galante – um dos maiores nomes da enologia argentina, que durante décadas comandou a produção da Catena (Rodolfo não fazia nada mal feito).

De quebra, encontrava espaço na agenda para o trabalho voluntário no board do Hospital Oswaldo Cruz.

Nos últimos tempos, esbanjava saúde: havia emagrecido, ganhado massa muscular e estava correndo regularmente – sem deixar de lado algumas taças de vinho de vez em quando. 

No último domingo, numa dessas corridas, veio a coisa estúpida: um atropelamento fatal. Ele havia completado 60 anos na véspera. Rodolfo deixa a mulher, Cristina, e quatro filhos.

Nesses momentos de perplexidade a tendência da mente humana é tatear no vazio em busca de explicações e algum sentido. Não encontrei explicações. O sentido, contudo, é fácil de enxergar – se não no fim, certamente na vida do Rodolfo. 

Ele foi atrás de seus sonhos, um por um, e os transformou em realidade, sempre respeitando todos à sua volta. Teve sucesso e reconhecimento profissional. Fez amigos e uma linda família. Foi generoso com os mais jovens, distribuindo conhecimento. Atravessou as montanhas da Patagônia a pé. Montou sua vinícola. Fundou seu negócio. (E ainda deu tempo de ver a seleção da Argentina ser campeã do Mundo.)

Parece um desses casos de “no regrets”. A vida não se mede em anos, mas em qualidade e intensidade – embora a gente não se conforme com essa partida inesperada mesmo assim.      

A última vez que nos vimos foi em 3 de fevereiro, no Gero, em São Paulo, quando tomamos um ótimo Spielmann Estates Viñedo 1910 da safra 2014.

Se eu soubesse que seria uma despedida, teria tomado outra garrafa. 

Ricardo Cesar é fundador e CEO da Ideal, agência de comunicação e relações públicas que faz parte do grupo britânico WPP.