O Mercado Livre fechou 2017 com uma taxa de crescimento recorde no Brasil. Apoiado numa política mais agressiva de vendas, que inclui o frete grátis, a companhia aumentou seu faturamento em 70% — e no quarto trimestre, 80%.

O balanço divulgado semana passada trouxe um retrato da nova estratégia da companhia: pelo menos há um ano, o MELI está abrindo mão de rentabilidade para ganhar mercado. Cerca de 70% do valor das mercadorias vendidas em todos os países onde atua já são entregues com frete grátis. 
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A margem bruta mergulhou de 63,5% no último trimestre de 2016 para 46,5% no mesmo período do ano passado. E o lucro — já descontando uma baixa contábil da operação na Venezuela — ficou em US$ 8,8 milhões, contra US$ 51,3 milhões um ano antes.

O Brazil Journal conversou com Stelleo Tolda, o COO da companhia e chefe da operação brasileira. Para ele, a queda na rentabilidade está dentro do esperado e está se pagando na forma de expansão, num mercado de ecommerce ainda pouco penetrado. 

Os investidores parecem concordar. Em agosto, quando o balanço do segundo trimestre começou a mostrar a queda nas margens, o mercado respondeu derrubando as ações em 10% em apenas um dia. De lá para cá, o papel saiu de US$ 230 para quase US$ 390. (Só na sexta-feira, após o resultado, a alta foi de quase 5%). 

Voando no marketplace, a companhia agora está reforçando sua outra faceta: a de fintech. O foco é expandir o Mercado Pago, seu braço de pagamentos. O MELI pretende investir mais em marketing e na força de vendas da sua maquininha de pagamento, a Point, entrando mais forte na briga com o PagSeguro. E vai ampliar também a operação recém lançada de empréstimos, por enquanto restrita apenas aos vendedores da plataforma.

A seguir, os principais trechos da conversa:

A que você atribui o aumento expressivo no faturamento no Brasil neste ano? É a retomada da economia?

Nós estivemos bem no mercado nas datas sazonais, Black Friday, Cyber Monday e procuramos participar dessas datas mais ativamente que nos anos anteriores. O orçamento de marketing tem acompanhado o crescimento da receita — e portanto o investimento cresce, porque o tamanho da empresa aumentou. 

Tem o frete grátis, que lançamos em maio de 2017 e teve um impacto imediato. Mas depois teve um impacto incremental; conforme mais pessoas conhecem nosso programa de fidelidade, elas voltam para comprar com mais frequência. Tem a nossa política de financiamento sem juros para as compras e um trabalho muito forte do lado de aumentar a oferta. Historicamente, a dinâmica do setor, a nossa dinâmica, tem descolado da macroeconomia. Pode ter um efeito secundário, mas se isolarmos todos os efeitos eu diria que a macroeconomia é o que menos importa.

No último ano e meio, vocês decidiram privilegiar crescimento em detrimento de margem. Mas parece que toda vez que sai o resultado o mercado toma um susto. Essa estratégia tem caminhado dentro do esperado?

Estamos num estágio incipiente nos mercados em que atuamos, tanto de marketplace quanto de pagamento. A expectativa é que a gente seja uma empresa de alto crescimento, por isso a decisão estratégia de começar a investir mais. E isso tem gerado um crescimento maior. Grosso modo, a gente vinha crescendo a uma taxa de 40% ao ano, ao passo que no ano passado chegamos à casa dos 60%. Impactou a rentabilidade: as margens operacionais, que eram próximas dos 20%, chegaram mais perto de 10% ou um pouco abaixo disso. Estamos contentes com o nível de rentabilidade.

Recentemente, outros players de ecommerce no Brasil, como a B2W e a Amazon, anunciaram operações de vendas de produtos usados (C2C). Vocês sentiram algum efeito de concorrência?

Falta contexto e histórico a essas companhias nesse tipo de venda. Se você perguntar para uma pessoa que quer vender um celular usado onde elas farão a venda, elas vão te dizer dois nomes: MercadoLivre e OLX. Não vou vender meu telefone usado no Submarino. Com todo respeito, acho que a gente não vai ver nenhum impacto vindo deles. 

Você tem dito que o Mercado Pago pode ser maior que o Mercado Livre. Qual a estratégia de vocês para crescer no Mercado Pago fora da plataforma do marketplace?

No mundo online, o Mercado Pago está olhando para os merchant services, lojistas e integração de pagamento, que é algo que tem muito potencial na medida em que temos players de ecommerce crescendo e também transações de bens digitais, como jogos, música, vídeo e app. No mundo offline, a grande plataforma é a maquininha. Teve um crescimento exponencial ao longo do ano. Sabemos que é um mercado competitivo, que a gente não lidera. Mas temos conseguido fazer isso crescer.

Vocês atuam no mesmo segmento do PagSeguro, de pessoas físicas e PMEs?

Em termos de uma pirâmide, o PagSeguro está caminhando para o topo, para brigar com Rede, Cielo, GetNet. E a gente está focando na base dessa pirâmide, na qual temos uma capilaridade muito grande por conta dos vendedores do marketplace. E todos os segmentos estão crescendo, mas o maior potencial está na base e menos no topo.

Vocês vão investir mais agressivamente nas maquininhas?

O PagSeguro foi muito mais agressivo ao longo do tempo. A gente vai investir mais sim e o objetivo é trabalhar com lojistas, mas deixar a marca mais visível também para o consumidor.

Tudo isso faz parte de uma estratégia mais ampla de pensar o MercadoPago como uma carteira digital. Ele se torna útil na medida em que nossa rede é grande, com pagadores e recebedores. Estamos procurando trabalhar muito nos usos de recursos para quem tem dinheiro na conta MercadoPago. Por exemplo: com seu dinheiro em conta, o vendedor pode hoje pagar para recarregar celular, transferir dinheiro para outras pessoas que tem conta no MercadoPago, pagar um boleto. Não precisa necessariamente resgatar para o banco. 

Vocês iniciaram recentemente um programa de concessão de empréstimo para vendedores a taxas abaixo das praticadas pelo mercado. Qual o escopo e até que ponto ele conversa com a integração de serviços financeiros do Mercado Pago?

As duas iniciativas se conversam totalmente. Os vendedores que recebem hoje e podem ter nosso crédito são do marketplace. Mas depois poderão ser vendedores que usam o Mercado Pago fora da plataforma, no mundo online, que tem a maquininha do Mercado Pago.

E o empréstimo é um negócio rentável. O resultado ainda é pequeno, nossa carteira ainda é incipiente, mas gera um resultado positivo. Temos baixo risco, emprestando por enquanto para vendedores que estão na nossa base e a inadimplência é baixa. Eles recebem no fluxo e pagam a gente nesse mesmo fluxo.

Com o sucesso estrondoso do IPO da PagSeguro, a pergunta é inevitável: vocês pretendem fazer um spinoff do Mercado Pago? Tem um horizonte pra isso?

Desde quando o eBay fez o spinoff de PayPal a gente ouve essa pergunta. A diferença é que quando o PayPal fez o spinoff, mais de três quartos do volume de pagamento ocorriam fora do eBay. No nosso caso, a maioria ainda é dentro do próprio Mercado Livre. O Mercado Pago ainda tem um longo caminho para crescer. E, mesmo que hoje a gente tivesse três quartos do pagamento fora, ainda assim a gente tem dúvida se a estratégia de spinoff é a melhor. Tem benefícios e sinergias em operar de forma integrada. É uma discussão interna que temos há tempos, não é algo novo e não tem a ver com o IPO da PagSeguro, mas sim com a visão do que faz sentido para a nossa operação.