Original no nome – uma estranha junção do nome da mãe, Zizinha, com o do pai, Geraldo – Ziraldo Alves Pinto foi múltiplo em múltiplas atividades.

Chargista, cartunista, caricaturista, muralista, jornalista, criador de publicações e autor de livros infantis, Ziraldo encarnou ainda a imagem do homem alegre, de bem com a vida, tendo o humor como marca registrada. Mineiro, nascido em Caratinga em outubro de 1932, Ziraldo tinha a alma carioca e a mente em todas as regiões do Brasil.

No Pasquim, onde esteve desde o primeiro número em junho de 1969, Ziraldo já chegou vindo de outro patamar. Era, então, um nome consagrado nacionalmente, com uma carreira de mais de uma década e passagens por sucessos editoriais como O Cruzeiro e o Jornal do Brasil. Além disso, havia criado a Turma do Pererê, a primeira revista em quadrinhos brasileira feita por um só autor, e o cartaz com o colorido galo cantando, que se tornaria o símbolo do Festival Internacional da Canção.

Em 1969, mesmo ano de sua entrada no Pasquim, publicou Flicts, o livro que lhe abriu caminho na literatura infantil. Dois anos antes, já havia sido o responsável por lançar o Cartum JS, suplemento dominical encartado no Jornal dos Sports, responsável por apresentar uma nova geração de cartunistas: Henfil, Miguel Paiva e Juarez Machado, entre eles.

O Pasquim foi o ápice de sua carreira. Por mais de uma década, Ziraldo fez de tudo: desenhou, criou capas, entrevistou, bolou seções e se envolveu em algumas brigas, tanto internas (com Tarso de Castro e Jaguar), quanto externas.

Sua sensibilidade ficou registrada com toda grandeza na homenagem que fez ao conterrâneo Juscelino Kubitschek. Quando o ex-presidente morreu, em agosto de 1976, num misterioso acidente automobilístico, coube a Ziraldo traduzir o clima de dor e de consternação.

Na capa da edição 374, um abalado Ziraldo lembraria o líder político com uma pequena obra-prima: as letras JK sendo pinçadas e retiradas de um imenso alfabeto que ocupava quase toda a extensão da página.

Também foi de Ziraldo a ideia de fazer uma das mais importantes entrevistas realizadas pelo jornal. Em 1978, passeando por Paris, Ziraldo deu de frente com Fernando Gabeira, também jornalista – e mineiro como ele.

Vivendo na França, Gabeira – “meu corajoso amigo, com seu sorriso de santo, seus lisos cabelos caídos na testa (todos pretos ainda) seus oclinhos, seu jeito calmo, seu abraço enorme, emocionado, interminável”, diria Ziraldo – era um dos mais conhecidos exilados da ditadura brasileira. A entrevista, “a mais emocionante já feita pelo Pasquim,” em sua própria definição, seria a senha para confirmar a abertura política e o retorno dos que haviam sido expulsos do País.

Na década seguinte, Ziraldo se envolveria ainda mais na disputa política. No Brasil que começava a se abrir – com o retorno dos exilados, eleições para governadores e criação de novos partidos – Ziraldo foi um militante político ativo, destacando-se como inventor de logotipos (foi dele a ideia de fazer a chama dentro do M de PMDB) e apoiando candidatos em vários estados.

Foi um desses apoios o responsável pela sua saída do Pasquim. Reza a lenda que durante os meses que antecederam a disputa pelo governo do Rio, em 1982, Jaguar (apoiador de Leonel Brizola, do PDT) e Ziraldo (de Miro Teixeira, do PMDB) fizeram uma aposta: quem ganhasse a eleição ficava com o jornal.

Era, talvez, a última chance de salvar o Pasquim e alavancar as vendas, que, em meados de 1982, rondavam irrisórios 20 mil exemplares, menos de 10% do que chegou a ser vendido nos dias de glória. Miro perdeu, Ziraldo entregou o comando a Jaguar e deixou a redação.

Manteve-se bem pessoal e profissionalmente depois de sair. Por ser talvez o menos jornalista entre os principais nomes do jornal, Ziraldo pouco precisou depender do oscilante mercado jornalístico. Seu talento e sua arte estavam estampados em revistas, capas de livros, coletâneas de exposições de artes plásticas, capas de discos, pôsteres, cartazes de peças e shows (especialmente os de Jô Soares).

Aliada à sua capacidade de trabalho, também merecia destaque sua onipresença. Falava bem, se envolvia em polêmicas e tinha presença garantida nos principais programas de entrevistas e talk shows.

Na década de 80, pouco antes de romper com o Pasquim, Ziraldo havia publicado O Menino Maluquinho, curiosamente não pela Codecri, a editora ligada ao jornal. O livro foi um dos maiores e mais instantâneos sucessos da história do mercado editorial brasileiro, com mais de 2 milhões de exemplares vendidos, tradução para outros idiomas, além de adaptações para a TV, o cinema e um sem-número de produtos.

Ziraldo só não repetiu o sucesso profissional quando se aventurou novamente com projetos jornalísticos. No final do século passado esteve envolvido com duas experiências que tentavam recuperar o espírito daquele velho Pasquim. Primeiro com Bundas e depois com Pasquim 21, Ziraldo buscou trazer de volta um jornalismo e um tipo de humor que já não tinham mais espaço.

Até morrer na tarde de ontem, aos 91 anos, dormindo em casa, Ziraldo viveu bastante e intensamente. Deixou sua marca em muitas áreas, e fez tudo isso levando consigo talvez seu maior orgulho – como confessou numa entrevista à Playboy: nunca ter brochado!

Márcio Pinheiro é jornalista e autor do livro Rato de redação: Sig e a história do Pasquim.