O samba de Edson Conceição e Aloísio Silva, gravado em 1975 por Alcione, suplica em seu verso mais forte:  “Não deixe o samba morrer, Não deixe o samba acabar/O morro foi feito de samba/De samba para gente sambar.”

A partida de Nelson Sargento aos 96 anos, em consequência da covid, talvez seja o capítulo mais doloroso até agora na lenta morte do samba. 

Alguns desavisados, envolvidos numa quase infantil ignorância, teimaram em dizer que, para alguém de tão longeva idade, a morte era uma probabilidade. 

Esses comentários bateram fundo no meu peito, já tão chicoteado com esse vírus ceifador de vidas. Explico. Quando uma mente como a do Seu Nelson se encanta, segue com ela a memória de muitas gerações do samba brasileiro. Ele foi testemunha ocular das diversas transformações que o samba sofreu. Ora, e o que é o samba, se não a propagação da memória de nossos ancestrais, via tradição oral?

Nelson Mattos nasceu no Rio de Janeiro em 25 de julho de 1924, filho de mãe empregada doméstica e pai cozinheiro. Quando conheceu o pai, ele já não morava com sua mãe.  

11512 454d138e 8afa 3084 4292 a1c8465a34c0Nelson morava com a mãe na Tijuca, onde ela trabalhava na casa de um comerciante.

Mais tarde, mudaram-se para o Salgueiro, onde a mãe passou a ganhar a vida lavando roupa, que Nelson entregava pelo bairro da Tijuca. Foi no Salgueiro que Nelson, com 10 anos, entrou em contato com o samba: desfilou pela escola e tocava tamborim. Com 12 anos, mãe e filho se mudaram de novo, desta vez para o Morro da Mangueira, onde mais tarde Nelson presidiu a ala dos compositores e foi presidente de honra da escola.

Foi cantor, compositor, artista plástico, ator e escritor.  Ganhou o apelido “Sargento” pela patente que alcançou no Exército Brasileiro nos anos 40.  Gravou seu primeiro álbum solo somente aos 55 anos, e compôs mais de 400 canções ao longo da vida.

Tornou-se discípulo de Cartola, cujos versos guardou de cabeça e com quem fez parceria em algumas composições.

Seu Nelson conheceu as rodas de pernada na Praça Onze, onde os malandros tinham que ser bambas nos versos e, ainda assim, manter as pernas firmes. Foi através dele que eu soube que Carlos Cachaça era o que Candeia relatou em seu samba “Batuqueiro” — gravado por Paulinho da Viola em seu primeiro álbum solo: um legítimo batuqueiro.
 
Seu Nelson também me contou que Paulo da Portela era um anjo, amigo do samba e dos sambistas. Nelson Sargento integrou grupos musicais fundamentais para a memória do samba brasileiro: os conjuntos A Voz do Morro, Rosa de Ouro, Os Cinco Crioulos.

Juntamente com Elton Medeiros e o conjunto Galo Preto, realizou o espetáculo “Só Cartola” no início dos anos 2000. Qualquer pesquisa musical sobre o Morro da Mangueira e seus poetas recorria a um depoimento seu. A memória de Seu Nelson nos proporcionou a recuperação de muitos sambas antigos, e também a ciência do dia-a-dia do sambista de morro.

Quando o ciclo vital de um artista como Nelson Sargento se encerra, vai com ele um pouco da memória de um País que insiste em apagar a própria história.

Espero que o legado de Seu Nelson sobreviva em meio a tanta desinformação e desdém pela cultura popular.

Cantemos sua obra, então.

Teresa Cristina é cantora e compositora.