José Luis Cutrale, que se tornou sinônimo de uma rara indústria em que o Brasil lidera o mundo e acumulou uma das grandes riquezas do País vendendo suco de laranja, morreu nesta quarta-feira, em Londres, de causas naturais.
Ele tinha 75 anos.
Da sede em Araraquara, onde morou durante muitos anos, Cutrale fez de sua empresa uma das maiores produtoras e exportadoras globais de suco de laranja, responsável por aproximadamente um terço de todo o suco de laranja do mundo. Foi uma das poucas a desafiar e vencer a hegemonia americana no mercado global da commodity.
“O Zé sempre foi para mim e para os meus irmãos uma inspiração, uma prova que o trabalho, a dedicação e o amor pelo que fazemos nos leva mais longe,” seu amigo Joesley Batista, o controlador da JBS, disse ao Brazil Journal.
Elegante, discreto e de fácil relacionamento, Cutrale era conhecido por sua agressividade empresarial ao mesmo tempo em que mantinha um bom relacionamento com os concorrentes, especialmente a Citrosuco, do Grupo Votorantim, e a francesa Louis Dreyfus.
José Luis Cutrale nasceu em 17 de setembro de 1946, filho do comerciante José Cutrale Júnior. Seu avô, Giuseppe Cutrale, imigrou da Itália para o Brasil na década de 30 e começou a trabalhar no comércio de laranja, trazendo as frutas do Rio de Janeiro para o Mercado Municipal de São Paulo.
Em 1967, José Luis e seu pai adquiriram a Suconasa, uma empresa que havia falido em Araraquara. Nascia a Sucocítrico Cutrale, um gigante com receita anual estimada em mais de US$ 3 bilhões (de capital fechado, a empresa não publica seus números).
Seus maiores mercados sempre foram os EUA e Europa. Como a laranja tomava muito espaço nos navios, Cutrale e seus concorrentes inventaram uma tecnologia: espremer a laranja, remover a água e fazer um concentrado, exportado por navio.
No destino, o comprador – as Tropicanas da vida – injetava a água de volta e fazia o suco que era vendido ao consumidor final. Até hoje, o contrato futuro do concentrado, o FCOJ-A, é negociado em Chicago, tendo como lastro o produto originado nos EUA, Brasil, Costa Rica e México.
Com restrições para exportar suco de laranja do Brasil para os Estados Unidos, a Cutrale comprou duas plantas de suco da Coca-Cola e se instalou na Flórida em 1996. Quatro anos mais tarde, adquiriu 6 mil hectares (o equivalente a 6 mil campos de futebol) e passou a plantar os próprios pomares.
Até hoje, a Cutrale ainda mantém uma relação duradoura com a Coca, que usa o concentrado da empresa para fabricar seus sucos Minute Maid. A intimidade entre as duas empresas é tamanha que uma tubulação subterrânea liga a linha de produção da Cutrale a uma linha de envase da Coca na Flórida.
A posição conquistada no mundo dos negócios também aproximou Cutrale do poder. Por quase 20 anos, ele foi um dos poucos empresários estrangeiros a participar dos jantares de fim de ano da Casa Branca.
Mas não foi apenas no setor citrícola que o império Cutrale se baseou. O empresário diversificou seus negócios para logística, produção de grãos e o mercado imobiliário.
Em sociedade com o Banco Safra, comprou a produtora de bananas Chiquita Brands por US$ 1,3 bilhão em 2014. O negócio ainda incluiu as operações de outras frutas, como abacaxi, saladas e snacks.
Mas a trajetória de Cutrale também teve suas controvérsias. O empresário chegou a ver o nome de sua empresa na lista de trabalho análogo à escravidão, divulgada pelo Ministério do Trabalho, por irregularidades trabalhistas.
Fornecedores independentes de laranja chegaram a processar a Cutrale e suas concorrentes por formação de cartel, mas os processos acabaram em acordos na Justiça.
Cutrale era um bom ouvinte, sempre interessado em assuntos variados e, mesmo longe do Brasil, mantinha-se informado sobre a política e a economia, disseram pessoas que privavam de sua intimidade.
Em 2006, mudou-se com a família para Londres por temer pela sua segurança e de seus filhos. Em 2020, se afastou do dia a dia da empresa para cuidar da saúde, passando a gestão do negócio aos filhos, que continuam à frente da operação.
Com a morte de Cutrale, vai-se o último fundador que inventou e definiu o setor citrícola mundial – um segmento hoje tocado por executivos.
Os filhos Junior, Henrique e Graziela lembraram o pai como uma pessoa “de poucas palavras e grandes compromissos, de fácil trato, brilhante nos negócios, lutador incansável,” e disseram que ele “pautou sua vida pela gentileza e respeito ao próximo, trabalho árduo, honestidade, humildade e discrição.”
Cutrale deixa a esposa, Rosana, três filhos e seis netos.