Numa operação espetacular cuja lógica ainda será objeto de longos seminários e especulação selvagem, a Marfrig disse que comprou 24,23% da BRF mas será um investidor passivo, sem sequer ter assento no conselho de administração da empresa.
O movimento parece desenhado para evitar o escrutínio do CADE, que em tese só se envolveria se a Marfrig tivesse representação no conselho.
A compra pode diminuir a volatilidade dos resultados da Marfrig, na medida em que o mercado de carne bovina e de frango têm correlação inversa, mas representa uma imobilização de capital gigantesca que vai alterar a forma como os investidores avaliam a companhia.
A Marfrig vale R$ 12,8 bilhões; sua participação vale R$ 5,3 bilhões.
A ação da Marfrig, que chegou a subir 9% quando o mercado ainda parecia apostar nos boatos de fusão, fechou em queda de 5,5%.
A participação comprada pela Marfrig fica abaixo do ‘poison pill’ contido no estatuto da BRF, que obriga qualquer investidor que comprar 33,33% da companhia a fazer uma oferta a todos os acionistas com 40% de prêmio.
Fontes próximas à Marfrig notam que a BRF é o maior cliente da Marfrig no Brasil, comprando desde carne para hambúrguer até produtos plant-based.
A operação de hoje coloca em evidência um empresário frequentemente subestimado e às vezes alvo de preconceito por sua personalidade simples, mas que nos últimos anos desalavancou a companhia e acertou em cheio com a compra da National Beef, que deu à Marfrig exposição ao mercado dos EUA.
Marcos Molina trabalhou sem assessoria de bancos e agiu com velocidade de blitzkrieg: no final do pregão de terça-feira, a Marfrig tinha apenas 5% da BRF, com boa parte da posição comprada em ADRs, uma forma de não chamar atenção.
Entre quarta-feira e hoje, Molina comprou o saldo — boa parte da Previ — que vendeu parte de seus 9,16% num leilão agora à tarde.
O movimento da Marfrig é tão heterodoxo que parece faltar uma segunda peça que dê sentido a estratégia. Uma linha razoável aqui seria especular se Molina pretende usar esse novo status para vender a Marfrig à Tyson. Os dois já têm uma relação direta: em 2018, Molina vendeu a Keystone para os americanos por US$ 2,4 bilhões. Desalavancou a empresa e viveu para reescrever a história.
Mas como uma transação destas forçaria a Tyson a vender a National Beef para evitar o DOJ, talvez a segunda etapa seja ainda mais simples: a fusão completa entre BRF e Marfrig, colocando Molina na metade do caminho de seu verdadeiro sonho grande, construir uma outra JBS.