A maioria dos deputados apoia a taxação de dividendos, segundo pesquisa realizada pela Arko Advice.

Para 62,61% de um grupo representativo de parlamentares ouvidos pela consultoria, a isenção vigente desde 1996 deve acabar. A maioria (57%), porém, é favorável à redução das alíquotas do imposto pago pelas empresas.

Os deputados estão divididos quanto ao fim do Juro sobre Capital Próprio (JCP), o dispositivo que também reduz o imposto pago pelos acionistas.

Já 53,27% concordam com a tributação de fundos exclusivos, e para 64,48%, é “correta” a iniciativa de taxar rendimentos em empresas offshore.

Se realmente quiser reduzir o volume de isenções e benefícios tributários, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, encontrará amplo apoio na Câmara: 70,09% dos deputados entrevistados pela Arko Advice concordam em rever os chamados “gastos tributários”, renúncia de arrecadação de tributos federais em torno de R$ 600 bilhões por ano.

Bancos e administradoras de cartão de crédito, além do próprio governo e do Banco Central, devem se preparar para negociar um tema sensível no Congresso: os juros cobrados nas compras com cartão de crédito. Na pesquisa, 89,71% dos deputados e senadores entrevistados defendem a limitação dos juros nessa modalidade de meio de pagamento.

A pesquisa, formulada pelos cientistas políticos Murillo de Aragão e Cristiano Noronha, foi realizada com questionário aplicado de forma presencial na Câmara entre 7 de março e 10 de agosto. Foram entrevistados 107 deputados de 21 partidos políticos, respeitando-se o critério da proporcionalidade partidária. Todas as perguntas foram respondidas diretamente pelos parlamentares.

Os temas tratados estão na agenda do Congresso, uma vez que, durante a tramitação da reforma tributária na Câmara, ficou decidido que a União terá que apresentar, em até 180 dias após a aprovação da reforma, projeto de reformulação das regras de tributação da renda.

Desde janeiro de 1996, os dividendos são isentos do pagamento de Imposto de Renda, sob a justificativa de que o lucro do acionista já é taxado na companhia pelo Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ). Naquele momento, o País vivia os primeiros meses do Plano Real, o primeiro a suceder no combate à inflação após o fracasso de seis programas de estabilização lançados entre 1986 e 1991.

A convivência durante quase três décadas com taxas de inflação elevadas desorganizou a economia de tal maneira que investir no setor real era decisão de alto risco. O incentivo para investir na produção de um bem ou serviço era pequeno, uma vez que manter o capital aplicado em títulos públicos, com rendimento crescente e liquidez imediata, assegurava bons rendimentos.

Ativos financeiros rendiam mais lucros para companhias do setor varejista, por exemplo, do que a venda de produtos, atividade precípua do comércio. Isso permitia que algumas redes de supermercados oferecessem produtos a preços inferiores aos de custo.

Com a queda abrupta da inflação desde o lançamento do real, em julho de 1994, ficou mais fácil para o capitalista tomar decisões e, inclusive, avaliar outros aspectos que pesam na decisão do investimento. Foi naquele momento que a Receita Federal, então comandada por Everardo Maciel, decidiu isentar a distribuição de lucros e dividendos.

Em 1996, além de isentar os dividendos, o governo criou outro mecanismo para estimular o investimento produtivo – o JCP (sigla de juros sobre capital próprio). Este dispositivo permite a empresas de capital aberto deduzir, da base de cálculo do IRPJ, 15% do capital aplicado por cada acionista na companhia. Em tese, os 15% dizem respeito aos juros do capital investido.

As mudanças tinham o objetivo de desonerar o capital e, assim, incentivar a capitalização das empresas. A ideia era reduzir distorções provocadas pelo modelo clássico de tributação, como bem observa o economista Sérgio Gobetti, tais quais: a oneração da parcela da renda do capital que apenas repõe a inflação e o incentivo ao financiamento das companhias por meio de endividamento, uma vez que as taxas de juros dos empréstimos podem ser abatidas da base de incidência do IRPJ.

A lógica da tributação adotada em 1996 era incentivar o detentor de capital, de poupança, a empreender, em vez de investir preferencialmente no mercado financeiro. O problema é que esse modelo incentivou empresas e bancos a transformarem executivos em sócios, assegurando-lhes, portanto, remuneração isenta do IR. No início, a chamada “pejotização” restringiu-se aos funcionários mais bem pagos das grandes companhias.

Com o tempo, empresas, inclusive de pequeno porte, viram na “pejotização” uma forma de diminuir os elevados custos laborais cobrados no Brasil. A conta da metamorfose de pessoas físicas em jurídicas logo chegou ao Tesouro Nacional – a arrecadação do IR das pessoas físicas parou de crescer e a receita dos tributos que ajudam a pagar, via INSS, aposentadorias e benefícios sociais de mais de trinta milhões de brasileiros, caiu em ritmo acelerado.

“Não se pode afirmar que a decisão tomada em 1996 teve o objetivo de beneficiar os ricos. Com a devida vênia da redundância, o problema do Brasil é que o problema do Brasil nunca é um problema só”, diz Sérgio Gobetti, que trata do tema em capítulo do livro “Progressividade Tributária e Crescimento Econômico” (FGV-Ibre, 2022).

Na gestão de Jair Bolsonaro, a Câmara aprovou projeto de lei que taxa lucros e dividendos com alíquota de 15%. Para compensar, a proposta reduziu o IRPJ de 15% para 8%  – o adicional de 10%, cobrado via Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), foi mantido. O projeto, entretanto, não avançou no Senado.

A taxação de ativos offshore tem apoio de maioria expressiva na Câmara, conforme mostra a pesquisa da Arko Advice. O tema consta da Medida Provisória 1171/23, mas corre o risco de caducar. O prazo de vigência da MP termina em 27 de agosto e, até agora, não se constituiu comissão mista do Congresso para analisar a proposta. O deputado Merlong Solano (PT-PI), relator da MP que reajustou o salário mínimo para R$ 1.320 (MP 1172/23), incorporou a MP 1171 ao seu parecer, mas não há acordo para votá-la.

O ministro Fernando Haddad já defendeu o corte de 25% dos “gastos tributários”, que contemplam desde a isenção de imposto de entidades filantrópicas até a dedução de 100% dos gastos dos contribuintes com saúde da base de cálculo do IR. De acordo com dados da Fazenda, a renúncia total de arrecadação já está em torno de R$ 600 bilhões por ano.