Na época do IPO da Cosan, muitos investidores esnobavam Rubens Ometto como um usineiro clássico, representante de um setor antiquado e — o maior pecado de todos — um homem que foi à guerra com a própria família pelo controle da empresa. 

Dezesseis anos depois, muita gente foi forçada a mudar de opinião.  

Em vez de se contentar em consolidar o setor sucroalcooleiro — a promessa do IPO — a Cosan se transformou no maior conglomerado de infraestrutura do País, e hoje ocupa no firmamento corporativo brasileiro talvez o mesmo lugar que o Grupo Votorantim ocupou nos anos 80 (não por coincidência, o grupo mais admirado por Rubens).

Nesta travessia, o empresário de Piracicaba comprou a Esso no Brasil, fez uma sociedade longeva com a Shell, comprou a Comgás, ressuscitou a ALL, e ainda tem planos de investir pesado em gás e em segmentos onde a companhia ainda não atua.

Apesar dos bilhões movimentados em M&As e outros bilhões gerados para os acionistas das empresas do grupo, o público conhece pouco do jeito de pensar e da intimidade de Rubens.  Talvez por atuar muito nos bastidores, o empresário dá poucas entrevistas e raramente publica artigos.

Agora, os interessados na história da Cosan e de ‘Binho’ — como boa parte da elite empresarial paulistana o conhece — poderão ler seu próprio relato em “O Inconformista” (184 páginas, Portfolio Penguin, R$ 44,90).

Pouca gente sabe, mas Rubens Ometto gosta de novelas.  Muitas.  Quase todas.  Com o tempo, adquiriu o hábito de gravá-las para assistir no final da noite, antes de dormir.

Na hora de fazer o livro, o amor pelo gênero fez Rubens chamar o novelista Aguinaldo Silva para colher seu depoimento.

“O Inconformista” não é uma biografia independente, mas um livro de memórias que narra uma trajetória definida em grande parte pela relação de Rubens com a família e os primos, a formação em engenharia de produção na Poli, e os primeiros empregos no Unibanco e na Votorantim, antes de assumir os negócios da família e reuni-los numa pequena holding chamada Cosan.

Como Frank Sinatra, Rubens fez tudo “My Way”, e — para deleite de seus acionistas e horror de seus detratores — ainda parece estar longe de terminar. 

 

 

Nasci numa usina de cana-de-açúcar chamada Costa Pinto, em Piracicaba. Foi onde passei minha infância e de onde guardo as lembranças mais antigas. Eu me recordo muito bem de sair da cama tarde da noite, quando meus pais e meus três irmãos já estavam dormindo, sem conseguir respirar e, mesmo assim, preocupado em não fazer barulho para não acordar ninguém. Caminhava pelos corredores como se procurasse em alguma parte o ar que me faltava. Ia até o quarto dos meus pais, ou dava uma olhada nos meus irmãos, que dormiam. Nessas caminhadas, tentava me acalmar a todo custo, pois sabia que, quanto mais me inquietava, pior ficava a falta de ar. 

As crises de bronquite asmática são o meu “rosebud”. Afligiram minha infância e me marcaram para sempre, mas não de um modo negativo. A ansiedade que provocavam no menino contribuiu para gerar a energia que hoje move o homem, tanto nos negócios quanto na vida.

Claro que essa não é a única lembrança que tenho dos anos passados na usina Costa Pinto. Morei ali até os catorze anos e, na maior parte do tempo, fui feliz — ou “livre, leve e solto”, como se diz agora. Literalmente solto. Naquela época não havia os problemas de segurança que hoje fazem os pais redobrarem os cuidados com os filhos. Eu jogava, inventava brincadeiras, andava por toda parte, sem adulto nenhum tomando conta. Minha companhia eram os outros moleques criados na fazenda e com quem eu também estudava, em geral filhos de trabalhadores. 

Fui alfabetizado no Grupo Escolar Professor Santos Veiga, que ficava dentro da usina. Naquela época eu não tinha consciência disso, mas sempre fui muito precoce. Quando ainda não sabia ler, pegava uma revista, um jornal, e perguntava ao meu pai, à minha mãe, insistia com eles: “o que está escrito aqui? Como é que se escreve? Por que é assim e não assado?”. Até que um dia meu pai perdeu a paciência: “Esse garoto, com tanta pergunta, já́ está me esgotando a paciência. Se ele quer mesmo aprender tão cedo, então coloca ele no grupo escolar”. 

E lá fui eu, com cinco anos, estudar junto com todos os filhos dos funcionários, ali mesmo na usina. Ao meu lado se sentava o filho de um senhor que era copeiro na casa da minha mãe — a mulher dele era a cozinheira. Ele tinha dois irmãos que também foram meus amigos de infância. Era com essas crianças, filhos dos trabalhadores, que eu brincava. Com alguns nunca perdi o contato, mesmo depois de adulto, embora a gente se veja menos. Tem Orlando, Claudio, Luiz Antonio. Um deles ainda trabalha comigo. 

Saí da usina Costa Pinto — e posso dizer que de Piracicaba — quando tinha dezesseis para dezessete anos. Apesar da vida “livre, leve e solta” que levava quando criança, sempre gostei de estudar e fui muito bom aluno. Meu sonho era fazer engenharia. Com a intenção de estudar na Mackenzie, eu me mudei para São Paulo. A família da minha mãe era de usineiros, alguns irmãos dela moravam na capital, e fiquei na casa de um deles para fazer o cursinho pré-vestibular no Anglo-Latino. Meus primos faziam bullying comigo, dizendo que eu era muito caipira. Eu ficava bem chateado, mas a verdade é que eu era caipira mesmo. 

 

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Como qualquer pessoa, já fracassei algumas vezes e aprendi muito com isso. Em Piracicaba, o pessoal fala: “a pessoa vê as pingas que a gente toma, mas não vê os tombos que a gente leva”. Certa vez, meu irmão quis assumir uma destilaria do sogro dele, no Mato Grosso do Sul. Eu não queria, mas aceitei por insistência do Celso. Como eu havia previsto, o negócio foi mal. No fim, tivemos que fechar a destilaria, vender as terras, a fábrica. Perdemos algum dinheiro ali, e assumo que foi um fracasso — embora eu não goste dessa palavra. Mas já ́ virei a página. Ainda mais porque depois de algum tempo acabamos ganhando dinheiro. 

O Governo Federal havia estabelecido que os preços do açúcar e do etanol deveriam ser fixados pela Fundação Getúlio Vargas. Mas o então ministro Antonio Delfim Netto, por motivos políticos, assinou um despacho não autorizando o reajuste para segurar a inflação. Não era justo. Para mim, era como se alguém resolvesse construir uma praça em um terreno de minha propriedade e me pagasse o preço que quisesse na desapropriação. Entramos com uma ação e ganhamos, conseguindo reverter os prejuízos. Mas até conseguir isso, passei por muito nervoso. Foi uma época difícil. A usina era ruim, as terras eram ruins, eu sabia que não podia dar certo. Devia ter dito desde o começo que não embarcaria naquela canoa. Foi uma decisão errada que tomei e, durante algum tempo, paguei o preço por isso. 

Mas a vida é feita de decisões, e algumas das mais importantes que tomei estão relacionadas aos negócios. Não paro de pensar neles. Me irrita quem demonstra falta de interesse pelo trabalho. Ninguém precisa ser escravo do escritório, mas deixar o telefone desligado depois das seis da tarde, por exemplo, sem nenhum motivo especial, como um problema de saúde ou na família, comigo não pega bem. É sinal de que a pessoa não está interessada. Meu celular fica vinte e quatro horas on-line. Às vezes, ligo para os executivos domingo à noite, porque essa é uma hora em que, em geral, as pessoas estão descansadas, são mais criativas e têm boas ideias. 

Gosto de trabalhar com pessoas que sintam orgulho do que fazem, sejam audaciosas e dedicadas. Que conhecem e respeitam meu modo de agir. Sou assim também na vida pessoal. Meus médicos são os mesmos há décadas, sabem tudo sobre minha saúde. Quando vou a uma consulta, não precisam me fazer perguntas porque me conhecem. Isso cria uma conexão e evita perda de tempo. Meus advogados também sabem de todos os meus problemas, não tenho que orientar, contar o histórico de cada caso. 

Trazendo para o plano do trabalho, acredito que o líder responsável precisa estar ligado o tempo todo no trabalho, pois alguém pode precisar dele. E não deve fazer isso por obrigação, mas porque quer, porque gosta. Tenho um amigo que diz que gosta de ligar para mim porque, se não atendo na hora, sempre ligo de volta. Não faço isso só ́ por educação, e sim porque fico curioso, querendo saber o que ele tem para me falar. Sou assim na vida profissional: quero saber das coisas. Não vou pra casa sem responder as minhas ligações telefônicas de jeito nenhum. 

Para trabalhar comigo, também tem que ser vaidoso. Mas é uma vaidade que faz sentido, que eu chamo de vaidade boa; é querer fazer um trabalho bem feito e se orgulhar em dizer: “fiz isso pela empresa”. A empresa lucrou e produziu por causa da minha ideia, da minha sugestão, do negócio que propus. Eu aconselho: seja ansioso e vaidoso; nunca seja pessimista. Seja ansioso para saber as novidades da empresa e vaidoso com os seus méritos. 

Acho que a humildade está intimamente ligada ao sucesso. É preciso ter humildade e reconhecer quando alguém apresenta uma ideia melhor que a sua. As pessoas creditam muitas invenções a mim, mas algumas delas não foram mais do que a concretização de ideias lançadas por outros. Um exemplo disso foi quando criei o açúcar VHP (Very High Polarization). Antigamente, a exportação do açúcar demerara exigia o recolhimento do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) porque ele não era considerado um produto acabado. Isso se devia à sua polarização, que define a porcentagem de sacarose no produto. Durante uma reunião da associação de produtores, alguém sugeriu que a polarização do demerara fosse diferente. Isso me levou a criar o vhp, que é o açúcar bruto. Em termos de polarização, ele equivalia ao demerara para o comprador estrangeiro, mas era considerado branco para o produtor do estado de São Paulo, cuja exportação não exigia pagamento de icms. Assim, consegui exportar o produto bruto com um custo menor. Esse açúcar ficou famoso e, hoje em dia, o Brasil quase só exporta essa modalidade.