Diz muito sobre o Brasil atual que gestores de investimentos tenham que funcionar também como analistas políticos.

Na Legacy, a gestora recém-fundada por ex-executivos do Santander, a tese política ‘contrarian’ é de que o PT não chegará ao segundo turno das eleições. A convicção dos gestores ainda é baixa, mas suficiente para garantir uma pequena alocação na Bolsa brasileira. 10531 826d52a7 ac71 0000 0028 a00ebd3a87f5

A aposta mais convicta, no entanto, é na continuidade da bonança da economia norteamericana nos próximos anos. Os gestores acreditam que a recessão lá ainda vai demorar, e por isso estão comprados no S&P e em outros índices da bolsa americana.

A Legacy foi fundada por três executivos que trabalharam juntos na tesouraria do Santander: Felipe Guerra, que liderava a área, Pedro Jobim, economista-chefe, e Gustavo Pessoa, o head de renda fixa da mesa proprietária do banco. O quarto sócio é José Eduardo Araújo, o ‘Duda’’, que passou mais de 12 anos na GAP Asset Management como sócio-sênior de operações.

Na nova casa, que começa gerindo R$ 1,1 bilhão, eles replicam as estratégias utilizadas em mais de dez anos no banco espanhol. O carro-chefe são grandes ‘calls’ macro capitaneados por Guerra e Jobim.  Jobim é um economista da escola de Chicago, com passagens pelo ING, Itaú BBA e Itaú Unibanco. A visão macro é expressa em quatro caixas: renda fixa, variável, câmbio, e uma arbitragem (‘long-short’) de teses macro. 

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Além de navegar as águas traiçoeiras de uma eleição imponderável, a Legacy enfrenta o mesmo desafio que outras casas recém fundadas por tesoureiros: provar que aquilo que funcionava no banco pode ser replicado num fundo, onde o passivo é de outra natureza. 

O Brazil Journal conversou com Guerra e Jobim na semana passada.

Esta é uma das eleições mais incertas dos últimos tempos. Com qual cenário-base vocês estão trabalhando?

Guerra: A gente sente muita certeza por parte do mercado de que o PT já está no segundo turno. Mas com o fatiamento da esquerda, não temos tanta convicção assim de que vamos ter PT no segundo turno.

Jobim: Essa eleição tem uma característica bem distinta das anteriores. É a oitava eleição desde a abertura e temos apenas um ator político que participou da sete eleições, que é o Lula – nas duas últimas, elegendo a Dilma. Mas é um ator político que está saindo de cena. Teremos pela primeira vez um fracionamento e uma disputa pelo espólio da esquerda. Temos dois candidatos com recall elevado: Ciro e Marina, que disputaram duas eleições cada. E temos o substituto do Lula, que aparentemente vai ser o Haddad, que vai ter que disputar essa fatia da esquerda com esses dois atores.  E na direita – no que se refere à matriz política brasileira – temos Alckmin e Bolsonaro. Este bloco vai ser disputado por dois, e o outro, por três. Esse fracionamento pode levar a um segundo turno entre Alckmin e Bolsonaro, que seria o melhor cenário para o mercado.

Vocês não acreditam no poder de transferência de votos do Lula?

Guerra: O Haddad é um candidato desconhecido, e quanto mais o PT adiar essa história toda do Lula, tem menos tempo para se tornar conhecido. Eles acham que essa demora joga a favor, a gente tende a achar que joga contra. Além disso, o apoio do centro dessa vez está com a direita e nas últimas eleições esteve com o PT, que era governo. E tem uma terceira coisa, que é a capilaridade. Se pegar as últimas eleições municipais, o PT foi dizimado. Esse poder que todo mundo fala de transferência de votos, na nossa opinião tende a ser menor. Vamos ver.

Seu cenário-base é Alckmin ou Bolsonaro?

Jobim: O cenário-base é de que o PT não está no segundo turno. Quem vai levar, é difícil dizer. Mas isso por si só já tira um medo do mercado. Deve ficar entre Bolsonaro, Alckmin e Marina. Ciro tem um piso [de intenções de voto], mas vai ter um teto. Mas o grau de certeza que eu tenho em relação a isso não é tão grande.

E como vocês estão posicionados neste cenário?

Guerra: No primeiro mês [do fundo], estávamos vendidos em Brasil. Mas agora estamos comprados um pouquinho em bolsa, para pegar esse call de o PT não estar no segundo turno. Se o PT subir na pesquisa e decolar, daí vamos estar errados. Vamos acompanhar as pesquisas.

Vocês estão construtivos em relação à candidatura Bolsonaro?  O que leva a crer que ele conseguirá fazer as reformas que todo mundo espera?

Jobim: Precisa ter um conjunto mínimo de reformas, e você tendo uma parceria ali com o Paulo Guedes por algum tempo – que seja dois anos – ele consegue implementar [Jobim trabalhou com Guedes por dois anos na gestora de recursos Fidúcia, no começo dos anos 2000]. O Collor foi o primeiro presidente eleito depois do regime fechado. No primeiro ano, podia fazer o que quisesse, ele foi ungido ali. Não é a mesma coisa, mas vamos pensar o seguinte: vai ser o primeiro presidente eleito depois de uma recessão, uma queda de 8% do PIB de 2015 e 2016. Um descrédito completo no sistema político, instituições em xeque, um país realmente fragilizado. Durante um ano, dois, a pessoa que vai estar ali vai ter uma ascendência sobre o restante da sociedade e sobre o Legislativo que vai colocar ela numa posição favorável para poder negociar. Se ele entrar lá, vai compor uma base maior.

Você acha que essa é uma visão hegemônica no mercado?

Guerra: Não. Acho que o consenso no Itaim é de que vai ter bateção de cabeça, um desentendimento entre o Paulo Guedes e o Bolsonaro meio rápido, que os dois têm pavio curto. Mas o Paulo tem participado de alguns eventos mais recentemente – no Santander, no BTG – e as pessoas estão pegando a percepção de que eles estão juntos mesmo. Estão engajados na mesma pauta. Há um mês ninguém tinha essa visão e agora, com o Paulo aparecendo mais vezes, o mercado vai percebendo que há possibilidade de se chegar a uma governança. Não é uma visão majoritária ainda. Um terço contra dois terços, talvez.

E qual a maior aposta da casa?

Jobim: O cenário internacional é a nossa maior convicção analítica. A gente tem uma convicção razoável de que a recessão nos Estados Unidos não está neste ano e nem em 2019, possivelmente está mais para o final de 2020, começo de 2021. Tem um framework que a gente gosta de trabalhar, que é retorno do capital versus o custo do capital. Com o lucro das empresas e com uma base de capital do setor não financeiro que o Fed disponibiliza, dá pra construir uma medida de retorno do capital. Tipicamente, numa saída de recessão, ele é maior porque os lucros começam a subir, o desemprego ainda é alto, ainda há ociosidade. E à medida que o ciclo vai avançando, o salário vai subindo e o lucro vai começando a cair. Então, os lucros corporativos têm essa parábola depois de uma recessão – ao mesmo tempo em que o custo de capital, que é o Fed subindo o juro, também vai subindo. Tem uma hora que um passa o outro. Tipicamente, nos últimos três episódios, a recessão começa um ano e meio depois desse encontro. E ainda tem pelo menos um ano para essas curvas se encontrarem e outro ano depois disso para começar a recessão. Se a gente colocar que a recessão está no primeiro trimestre de 2021, por exemplo, é só olhar o que acontece com o S&P historicamente: ele sobe até dois meses antes da recessão. Aí pegando a média do crescimento do S&P, esse ramp-up pré-recessão, ele pode subir uns 30% ainda nos próximos dois anos.

E qual o ‘kit Estados Unidos’ de vocês para esse cenário?

Guerra: Comprado em S&P. Temos mais convicção de que a bolsa americana vai subir por causa do crescimento de lucro do que de tomar juros, porque não temos convicção de que a inflação está na iminência de vir. O que a gente tem observado até agora é o contrário: dados de crescimento bem fortes com uma combinação de dados de inflação ainda tranquilos. E o dólar já deu uma boa andada. Os Estados Unidos estão num momento de crescimento bastante acelerado, mas é capaz que puxem o mundo para um diferencial de crescimento mais favorável ao mundo que a eles daqui para a frente. Isso ajuda o dólar a enfraquecer. Na mesma linha, há um pipeline de deterioração fiscal relevante nos Estados Unidos que faz com o que o dólar seja mais fraco para a frente. Por outro lado, o diferencial de juros faz com que o dólar siga forte. Tem um cabo de guerra que não gera definição para onde o dólar vai. Por isso a gente prefere a Bolsa, ela está mais clara do que outros veículos.

Dentro dessa estratégia, vocês operam índice ou uma cesta de ações?

Guerra: 95% índice, mas aí pode ser um índice que representa um setor. Em julho, passamos o mês comprados em SPY [S&P], XLF [setor financeiro] e QQQ [tecnologia].

Uma série de multimercados e casas de ações foram lançadas nos últimos meses – principalmente de executivos egressos de bancos, como vocês. Qual o diferencial da Legacy?

Guerra: Primeiro, nós trabalhamos juntos há muito tempo. O Gustavo [Pessoa] está comigo há 11 anos, o Pedro há 10. Isso faz toda a diferença. E uma coisa que nós fizemos muito bem nos últimos anos e nos fez ganhar muito dinheiro foi virar a chave de otimista com o Brasil, pessimista com o Brasil, otimista com o Brasil… Tem uma coisa no Brasil que o gringo tem dificuldade de enxergar: em geral, quando tem recessão, depressão, PIB caindo, o país gera inflação alta, porque a expectativa de inflação está desancorada, a casa está desorganizada. O Brasil, quando está crescendo, é porque conseguiu organizar a casa e colocar a expectativa de inflação no lugar, então tem menos inflação. Isso tudo é o contrário do que se espera de um país desenvolvido normal.

O Pedro foi um cara que leu isso com muita propriedade, ao dizer que a curva de Philips do Brasil – e talvez de outros emerging markets – é invertida. O Brasil tinha a inflação mais alta do mercado, com a previsão de crescimento mais baixa do mercado em 2015. O Pedro foi o primeiro economista a colocar a inflação no ano passado abaixo de 4%. A inflação do mercado era 5,5%. A gente deitou e rolou. Vendemos pré, vendemos inflação, compramos bolsa. O primeiro trimestre do ano passado foi espetacular baseado neste ‘call’.

A Gauss, uma casa de tesoureiros, viu o patrimônio de seu principal fundo cair de R$ 2 bilhões para R$ 150 milhões recentemente. Isso fez muita gente questionar se tesoureiros de bancos funcionam em gestoras independentes. A performance passada garante a performance futura?

Guerra: A verdade é que nada garante nada. Temos bons tesoureiros, como o Rogério Xavier, trabalhei com ele no BBM em 1999 e hoje ele tem uma gestora super boa, bem organizada, operando vários mercados [a SPX Capital]. Não dá para generalizar em nenhum sentido. Os bancos foram um celeiro de bons gestores para a indústria. Talvez o Stuhlberger não tenha trabalhado [em banco], mas praticamente todos outros grandes gestores vieram de banco. Para tomar essa decisão e fazer esse movimento de carreira, a gente olhou o que deu certo e o que deu errado e se as nossas práticas se adequam bem com o que deu certo. Temos uma equipe grande, com especialistas, que tem o capital investido aqui. 100% do equity é nosso e 90% do equity está nas mãos da equipe de gestão. A gente tem uma história muito conhecida no banco. O que eu costumo falar é o seguinte: nós temos uma conexão muito boa com os principais distribuidores do mercado, estamos conectados com todos, sucesso de captação, time super entrosado, mas tem que marcar gol. Costumo falar nas reuniões com cliente que temos uma equipe que é série A, campeã da Libertadores. Mas tem que fazer gol.