Uma parte relevante do trabalho de um grande acadêmico é a formação da próxima geração, e José Alexandre teve inúmeros alunos que impactaram de maneira substancial a profissão.
Em seu projeto de tese de doutorado orientada por José Alexandre, Paul Romer tratou, de maneira algo pioneira, do conhecimento como insumo nos processos produtivos, e recebeu o Nobel pelos seus trabalhos nessa agenda de pesquisa.
A ideia básica por trás do modelo já havia sido elaborada por Kenneth Arrow nos anos 1960, em um modelo em que a produtividade aumenta com a recorrência da produção (learning by doing). (Para muitos, incluindo os autores deste artigo, Arrow – um Clark Medal e Prêmio Nobel – foi o maior economista de todos os tempos.)
Romer utilizou uma variação desse modelo, tecnicamente bem mais difícil, para estudar o crescimento dos países.
Conhecimento gera externalidade: as ideias se difundem e acabam por afetar outras pessoas.
O mesmo acontece nas inovações realizadas pelas empresas, que se disseminam quando bem-sucedidas (ideias, como definem os economistas, são bens não exclusivos). Isso, por sua vez, permite que a produção aumente proporcionalmente mais do que a incorporação de capital e trabalho no agregado da economia – o que se convencionou chamar de economia de escala.
No jargão da profissão, tratava-se de um modelo com “não convexidades”, e sua resolução era bastante difícil. O folclore diz que, quando Romer procurou Bob Lucas, outro Nobel de economia, para falar do projeto, ele disse: “Isso é muito difícil. É melhor você falar com José.”
O resto é parte essencial da moderna teoria do crescimento econômico, como sistematizada por Charles Jones em The Facts of Economic Growth, publicado no Handbook of Macroeconomics.
Foram muitos os alunos de doutorado orientados por José Alexandre, além de Edward Glaeser e Paul Romer, com trabalhos nas mais diversas áreas, incluindo a relação de impostos sobre valor agregado (objeto da reforma em andamento no Congresso) e informalidade.
A lista é enorme e inclui Alberto Bisin, Albert Kyle, Áureo de Paula e Adriano Rampini.
A Agenda Perdida
Um candidato despontava para as eleições de 2002: Ciro Gomes. Tasso Jereissati e Carlos Alberto Sicupira eram alguns de seus interlocutores e propuseram um encontro dos três com José Alexandre.
As conversas foram boas e o candidato perguntou se o economista estaria disposto a ajudá-lo com ideias para um programa. A resposta foi “sim”. O problema: uma série de compromissos profissionais o impediria de dedicar o tempo necessário à tarefa.
Por sugestão de Afonso Arinos de Mello Franco Neto, que fora seu aluno de doutorado, José Alexandre convidou Marcos Lisboa a liderar a iniciativa no Brasil. Marcos concordou, mas propôs que as sugestões de política pública fossem disponibilizadas a todos os candidatos. Surgia aí a “Agenda Perdida” – um texto que, recebido com ceticismo, tentou ampliar o debate para além dos temas macroeconômicos.
José Alexandre e Marcos sistematizaram a pesquisa aplicada sobre os desafios da economia brasileira, elaborando o roteiro do documento e identificando os pontos em que havia divergências ou dúvidas. Economistas das mais diversas áreas foram convidados para participar de uma reunião de trabalho para discutir esses pontos específicos.
A Agenda Perdida apontou que, quando bem conduzida, a política macroeconômica evita problemas mais graves – como inflação descontrolada e problemas nas contas externas – mas está longe de ser suficiente para gerar crescimento.
Aumentar de forma sustentável a taxa de crescimento do País requer reformas microeconômicas que melhorem o ambiente de negócios, reduzam as frequentes distorções e capturas do Estado pelo setor privado, e estimulem a concorrência e os ganhos de produtividade.
Ao alterar regras e incentivos, essas reformas também podem ser usadas para melhorar a qualidade da política pública de forma a aumentar a inclusão social e, por exemplo, propiciar saltos de qualidade à educação pública.
O trabalho na Agenda Perdida acabou por conectar Antonio Palocci com esses economistas, o que levou à adoção, no primeiro governo Lula, de uma série de reformas institucionais e microeconômicas em áreas tão diversas como o desenvolvimento do mercado de crédito e o aperfeiçoamento dos programas de transferência de renda, que deveriam focalizar os recursos nas famílias mais vulneráveis. Essa proposta resultou no Bolsa-Família.
O extenso documento do Ministério da Fazenda, Política Econômica e Reformas Estruturais, publicado em abril de 2003, detalhou o diagnóstico e as propostas esboçadas na Agenda Perdida. Um ano e meio depois, o texto igualmente longo Reformas Microeconômicas e Crescimento de Longo Prazo prestou contas do que foi feito pela equipe econômica naquele começo do primeiro governo Lula.
Pesquisa recente
José Alexandre continua extremamente ativo.
Dois exemplos recentes: a maior parte dos modelos macroeconômicos com menu costs (jargão dos economistas para quando as empresas incorrem em custos para ajustar seus preços) parte da suposição – tecnicamente conveniente, mas irreal – de que haja um contínuo de empresas.
Irrealidade de hipóteses não é necessariamente um problema, como a física nos ensina desde Newton, desde que isto permita previsões recorrentemente consistentes com os dados observados.
No entanto, se uma suposição irrealista acabar por prejudicar resultados e previsões de um modelo, isto é um problema. José Alexandre e Makoto Nirei desenvolveram um modelo com a suposição correta de que o número de empresas atuando na economia seja finito. Isso torna o problema enormemente difícil.
Em outro artigo, José Alexandre, Nirei e coautores verificam a consistência das previsões do modelo utilizando a imensa base de dados do Billion Prices Project.
Atacar o problema (difícil) da maneira certa trouxe enormes benefícios: o novo modelo consegue gerar, a partir de choques individuais nas condições de oferta das mercadorias, muitas características do processo de ajuste de preços, além de reconciliar a evidência de relação entre o nível e a volatilidade da inflação.
Mais recentemente, em coautoria com Lars Peter Hansen, seu colaborador da vida inteira, e Juliano Assunção, José Alexandre incorporou à sua agenda de pesquisa um dos temas mais importantes e prementes da atualidade: o desmatamento da Amazônia.
Em um dos artigos, usam um modelo de localização espacial dinâmico e mostram numericamente que, com preços de carbono modestos, uma estratégia de preservação da Floresta Amazônica para captura de gases estufa é bastante lucrativa para o País.
Em um texto recente, Tom Sargent, outro Nobel de economia, detalha a influência de Bob Lucas sobre a pesquisa em economia e termina com uma história divertida sobre José Alexandre.
Seus colegas planejaram uma celebração surpresa pelo seu aniversário, com direito a bolo e velas, e pediram ao seu assistente que o chamasse para vir à sala onde ocorriam os seminários.
O assistente usou das desculpas mais criativas, mas sempre ouvia: “Não posso agora. Estou trabalhando.” Depois de longa espera, Bob Lucas foi ao escritório de José Alexandre e o convenceu a sair, dizendo que, finalmente, havia escrito umas equações no quadro que o fizeram entender o Teorema da Convergência de Martingais, de J. L. Dobb.
Confrontado com essa história por Vinicius, um dos autores deste artigo, José Alexandre ouviu de Michele, psicoterapeuta e sua esposa desde o começo dos tempos: “Então até os seus colegas têm dificuldade em fazer você parar de trabalhar?”
Marcos Lisboa e Vinicius Carrasco são economistas. Este é o último de uma série de quatro artigos comemorando a carreira e o legado de José Alexandre Scheinkman.