David G. NeelemanTrês anos depois de sua primeira tentativa, tudo indica que a Azul vai aterrisar seu IPO suavemente na noite desta quinta, com direito a David Neeleman tocando o sino da Bolsa de Nova York na sexta.

Até esta tarde, as ordens já cobriam a oferta em mais de 3 vezes, e fontes envolvidas na transação esperam que a oferta saia a R$ 21 por ação, o ponto médio da faixa de R$ 19-23. 

Neste preço, a oferta da Azul levantaria R$1,5 bilhão (R$ 1,3 bilhão para o caixa da própria empresa), e chegaria à Bolsa valendo R$ 6,9 bilhões — mais que o dobro do valor de mercado da GOL, de R$ 3,2 bilhões na tarde de hoje.

Numa métrica mais fina, e usando estimativas conservadoras feitas por investidores que planejam participar da oferta, a Azul estrearia com um ‘enterprise value’ de R$16,8 bilhões, comparado a um EV de R$15,6 bilhões da GOL a preços de hoje. (O EV é uma métrica mais abrangente porque soma o valor de mercado e a dívida da empresa.)

Investidores internacionais — que conhecem Neeleman desde que ele fundou a JetBlue — estão ancorando a oferta, enquanto a maioria dos investidores locais permanece à margem do processo.

Entre estes, a maior preocupação é com a sensibilidade do negócio de aviação a variáveis macroeconômicas.  Mudanças de patamar no câmbio e no petróleo podem trazer turbulências desastrosas ou céu de brigadeiro, num setor que continua pesadamente endividado e que só recentemente começou a lidar com excesso de oferta.

Em que pesem estas vulnerabilidades, o ano começou muito bem para o setor, o que está ajudando o mercado a ver o copo meio cheio.

“A GOL acaba de reportar números que sugerem uma margem operacional entre 12% e 12,5%,” diz um gestor que participará da oferta. “Todo o corte de capacidade feito nos últimos anos está se traduzindo em ganho de rentabilidade para o setor, obviamente, desde que o câmbio fique neste nível. 2017 deve ser um ano forte para essa industria.”

Em meio ao ânimo dos investidores internacionais com a recuperação da economia brasileira, David Neeleman finalmente conseguiu vender a tese de que sua companhia – lançada para atender o subaproveitado mercado de rotas regionais – é mais lucrativa e tem potencial para crescer.

A Azul faturou R$ 6,7 bilhões no ano passado, contra quase R$ 10 bilhões da Gol – e, ao contrário dela, ainda queima caixa. Ainda assim, está prestes a conseguir um valuation bem próximo da concorrente porque, entre outras coisas, o mercado entende que a Azul enfrenta menos competição em suas rotas regionais e tem maior demanda por viagens corporativas, menos sensíveis a preços.

Olhando estimativas de investidores para 2018, a GOL a preços atuais negocia a 6,7x EV/EBITDAR, quase o mesmo que os 6,4x que a Azul está conseguindo.

“Na minha opinião a Azul merece um prêmio sobre a Gol,” diz um gestor que está comprando. “O negócio dela é mais resiliente, a governança é melhor, e a Gol é mais alavancada.”

A margem EBITDAR da Azul (que exclui as despesas com leasing) foi de 27% no ano passado, contra 22% da Gol.

A receita por quilômetro voado da Azul é 35% maior que a da rival, enquanto o custo médio por vôo é 31% menor. No roadshow, a companhia vem destacando que é a única a operar em 70% de suas rotas, e que é a líder de mercado em 66 cidades, enquanto GOL e Latam eram companhias isoladas em apenas 13 e quatro cidades, respectivamente.

“Passamos muitos anos construindo nossa rede de rotas regionais. Hoje, as concorrentes teriam que gastar bilhões de dólares para replicá-la – e elas não têm esse dinheiro”, disse Neeleman numa apresentação feita a investidores estrangeiros.

Uma opcionalidade da Azul que se tornou a cereja no bolo da oferta é seu programa de fidelidade, o Tudo Azul, que tem 7 milhões de usuários cadastrados. Durante o roadshow, a companhia abriu muito pouco sobre o programa, o que impediu o mercado de fazer uma análise mais aprofundada.

Mas gestores vêem o programa como uma espécie de seguro contra tempos bicudos.

“O fato deles terem 100% da Tudo Azul garante que, se houver alguma depreciação do real ou alta do petróleo, a Azul tem um ativo atraente para monetizar,” diz outro gestor.

O CFO John Rodgerson disse durante o roadshow que “o programa de fidelidade de nossos competidores está negociando a US$ 2,5 bilhões”, fazendo referência ao Smiles, controlado pela Gol, que tem 12 milhões de usuários e vale R$ 7 bilhões na Bovespa.

Uma segunda opcionalidade da Azul está além-mar. “Temos um investimento em ações da TAP que pode valer de US$ 300 milhões a US$ 400 milhões nos próximos anos,” disse Rodgerson. “A valuation na qual entramos foi de US$ 220 milhões. Podemos reduzir a alavancagem para 2 vezes quando a TAP realizar sua oferta inicial.”

A Azul tem 43% dos direitos econômicos da TAP através de uma nota conversível.

Finalmente, alguns investidores acham que há uma terceira opcionalidade na tese de investimento: a consolidação da aviação brasileira, que passa pelo destino da Avianca.  Hoje há uma forte possibilidade da United — que tem 5% da Azul — acabar como controladora ou acionista relevante da Avianca Colômbia, o que pode ser uma porta de entrada para o controle da Avianca Brasil.  Neste caso, a Azul seria o veículo no qual a United consolidaria seus ativos no Brasil.

Segundo gestores que participaram das apresentações, a Azul disse que seu EBITDAR pode crescer 30% este ano para R$ 2,4 bilhões, contra R$ 1,8 bilhão em 2016. A margem EBIT passaria de 5% para 15% em dois anos.

Os céticos estão mantendo distância.

“Achei uma loucura, as projeções são muito agressivas. O múltiplo é de 20 vezes, o lucro é lá na frente e eles consideram o câmbio a uma média de R$ 3,30 nos próximos dois anos. Se o dólar for para R$ 4, quebrou”, afirma um deles.

Para conseguir o aumento das margens, a Azul aposta principalmente na chegada das encomendas de uma nova aeronave, que queima menos combustível – e, portanto, aumenta a rentabilidade dos voos.

A nova versão do A320 da Airbus vai ser utilizada em substituição ao E195 da Embraer em vôos com mais longos (de Campinas para o Nordeste, por exemplo).

O A320 tem 174 assentos, 56 a mais que o E195, mas com custo por vôo apenas 5% maior – ponderado por assento, o gasto é 30% inferior. A expectativa é que a empresa receba 10 A320s neste ano.