O ano era 2010 e pela primeira vez eu participava de um dos eventos mais importantes da moda mundial, a conferência anual do International Herald Tribune, um evento anual organizado pela editora Suzy Menkes.
Foi lá que, ao me sentar ao lado de Menkes e da amiga Georgina Brandolini para acompanhar o início das palestras, me vi também junto de uma das figuras mais geniais que conheci em muitos anos, o estilista israelense Alber Elbaz. Mal sabia eu que aquele encontro marcaria o início de uma relação de trabalho e admiração que durou mais de 10 anos.
Elbaz, nascido em Casablanca, no Marrocos, e tendo emigrado para Israel aos 10 anos, conviveu com a arte e a moda desde a infância: filho de uma pintora e de um cabeleireiro, aos sete anos já desenhava vestidos em casa.
Em 1985, após se formar em moda pela Universidade Shenkar de Engenharia e Design, mudou-se para Nova York com apenas US$ 800 no bolso e um objetivo claro: fazer a diferença no universo da alta costura.
Não demorou muito. Entre 1985 e o ano 2000, Elbaz trabalhou para nomes como Geoffrey Beene, Guy Laroche, Yves Saint Laurent até que, em 2001, foi convidado a comandar aquela que seria sua casa pelos próximos 14 anos: a centenária Lanvin.
Com sua enorme criatividade, atenção a detalhes e, mais importante, um olhar sensível para as necessidades e aspirações das mulheres naquele início de século, ele foi responsável por transformar uma das marcas mais tradicionais da moda francesa, tornando-a ainda mais relevante dentro do cenário global da alta costura.
Elbaz sempre se posicionou como um questionador. Foi um dos primeiros a falar sobre a mudança do papel do estilista, e se preocupava com os efeitos do crescimento acelerado do mercado, da globalização e da digitalização da moda. Teve a sensibilidade de reconhecer que os antigos costureiros tiveram que se transformar em image makers, diretores criativos, produtores de dezenas de coleções ao ano, constantemente pressionados a apresentar o novo sob o risco da perda de relevância.
Dois anos após aquele primeiro encontro em Londres, nossos caminhos se cruzaram, desta vez em São Paulo. Estávamos inaugurando o JK Iguatemi, e um dos destaques deste novo empreendimento era a primeira loja da Lanvin no Brasil.
Como diretor criativo da Lanvin, Elbaz foi o responsável pelo renascimento de designs femininos e elegantes e de desfiles que entraram para a história da alta costura. Ele também aumentou ainda mais o glamour da marca. Vestiu de Cécilia Sarkozy, então esposa do presidente francês, frequentemente fotografada no Eliseu em peças da Lanvin, às atrizes Meryl Streep, Cate Blanchett, Natalie Portman e Tilda Swinton – esta na noite em que recebeu o Oscar de melhor atriz coadjuvante em 2009.
Durante todo o processo de lançamento da Lanvin no Brasil, convivi de perto com Elbaz, e foi neste período que pude ver que, além de ser um profissional brilhante, ele era um ser humano de coração enorme, carismático, simples e delicado. Também era conhecido pela generosidade e educação, algo às vezes incomum entre seus pares.
Dono de incomparável bom humor, ele fazia questão de criar um universo lúdico à sua volta. A lista de colaborações com outras empresas é imensa e inclui até uma linha de cosméticos de edição limitada com a Lancôme e uma coleção para a H&M.
Elbaz não se encaixava no modelo que se espera de um estilista. Fisicamente fora do padrão imposto pela moda, talvez por isso sempre tenha questionado o universo em que atuava.
Depois de deixar a Lanvin em 2015, Elbaz trabalhou com várias marcas incluindo Converse, LeSportsac e Tod’s e, em 2019, juntou forças com a Richemont para desenvolver sua própria marca, a AZ Factory, lançada no início deste ano. Elbaz não era o cara da it-bag, mas o que os detentores da Lanvin não entenderam — ou só entenderam depois de sua saída — é que ele vivia a moda e entendia os desejos femininos como poucos.
Todos esses títulos, conquistas e números mostram – de uma maneira bem tímida – quem foi Alber Elbaz. Durante o período em que convivemos, vi espelhadas nele muitas das crenças que tenho sobre o universo da moda, como o papel que ela pode ter nas crises e nos nossos momentos mais difíceis.
No último sábado, aos 59 anos, Alber Elbaz nos deixou. Sua dedicação e seu amor pela moda foram abreviados pela pandemia. Eu perdi um amigo e parceiro, e todos perdemos seu olhar genial sobre o mundo. Mas sua obra segue imortalizada em seus desenhos, coleções, e em sua arte.
Carlos Jereissati Filho é CEO do grupo Iguatemi.