Num encontro com o Papa Francisco, Jack Terpins, um líder graduado da comunidade judaica brasileira, ouviu do Sumo Pontífice:  “Onde está Henry Sobel?”

Em outra ocasião, num evento na Catedral da Sé, Terpins viu padres católicos enfileirados para pedir a benção do rabino.

Mais que um homem, Henry Sobel era uma instituição, um polo agregador de gente, um vértice de força espiritual num País ainda em busca de sua alma. 

Como dar conta da passagem de um homem que, sequer tendo nascido no Brasil e dono de um sotaque americano, nos adotou como Pátria e agiu como herói numa das páginas mais sombrias de nossa história?

10849 15cc535b 9a17 2da1 9c53 d4bcf6505f65Certa vez, um Sobel muito medicado foi detido por roubar gravatas em uma loja nos Estados Unidos.  O episódio bizarro marcou, na prática, o fim da era de influência de Sobel na vida pública brasileira.  Ele se afastou de suas funções na Congregação Israelita Paulista e, anos depois, mudou-se para Miami.

Como todos nós, Sobel tinha suas idiossincrasias: um ego inflado e uma agenda política pessoal, mas, no olhar da História, foi o homem certo na hora certa, suas imperfeições um mero detalhe numa das biografias mais significativas e consequentes da vida pública brasileira na segunda metade do século 20.

Ironicamente, talvez um presságio dos tempos que viriam, a reação da sociedade ao episódio das gravatas foi de não perdoar um homem cuja vida inteira fora dedicada à promoção da tolerância.

Sobel foi uma referência moral sólida, uma bandeira fincada em terra firme num Brasil que existe cada vez menos: um País em que religiões diferentes se uniam em altares ecumênicos pelas causas mais nobres — e que conseguia concordar em quais causas eram essas.

Hoje, os políticos falam muito em Deus, mas o que Deus representa não está nas suas palavras.

Depois do “suicídio pelo aparelho do Estado” de Vladimir Herzog, a luta de Sobel contra a tortura encheu jornais e revistas e já virou livro, filme, documentário.  Seu exemplo de conduta, convicção e destemor precisa ficar entre nós.  As crianças precisam ouvir falar de homens cujo coração acolhe todos e que têm a fibra para lutar pelo que é certo.

Não é preciso buscar palavras bonitas para descrever Sobel. Para conhecer o homem, basta ouvir suas próprias palavras.

No Estadão, a repórter Priscila Mengue resgatou uma entrevista que o rabino deu ao jornal em 2013.

“Tenho vivido bem com a minha consciência. E passei a agir não só pelo Vlado, mas por outros torturados. A causa transcendeu. Naquele momento ganhei adversários, sim, e uma recompensa: a dos jovens judeus que me acompanharam ao culto. Eles andavam comigo na catedral. Éramos um time, jogando juntos. 

“Procurei o que era certo e Deus resolveria o resto. Isso significa ser judeu consciente. Assumir, agir, lutar se necessário. E confiar. Confiar.

“Falta buscar outros Vlados cujos direitos foram violados, Vlados humilhados em vida e depois da vida. O trabalho pelos direitos humanos está apenas começando no Brasil. Temos um longo caminho a percorrer. E, enquanto for rabino, algo que pretendo ser até o fim da minha vida, assumo o compromisso de lutar por isso. A morte de Vladimir Herzog não terá sido em vão.”

No Judaísmo, quando ficamos sabendo de uma morte, a resposta que se deve dar é “Baruch Dayan HaEmet” — “Bendito seja o Verdadeiro Juiz.”

Que Sobel descanse na paz que tanto nutriu, e que os que ficam tentem impactar o mundo como ele impactou.